A Peste, de Albert Camus, e a situação atual

   
Já se tornou um lugar comum a propósito da situação que vivemos citar este livro de Albert Camus. Tenho estado a relê-lo, sem seguir a disciplina imposta pela ordem das página. Abro-o ao acaso, entre outras leituras ou outras afazeres, e fico sempre impressionada pela sua atualidade. Premonitório? Tanto quanto sei, não vivenciou durante a sua vida qualquer situação similar. A Peste foi publicada pela primeira vez em 1947. Não resisto a publicar um excerto a que provavelmente se seguirão outros:
    Mas mesmo nisso, contudo, a reação do público não foi imediata. Com efeito, o anúncio de que a terceira semana de peste contara trezentos e dois mortos não falava à imaginação. Por um lado, talvez nem todos tivessem morrido de peste. Por outro lado, ninguém na cidade sabia quantas pessoas morriam habitualmente por semana. A cidade tinha duzentos mil habitantes. Ignorava-se e esta proporção de mortes era normal. É mesmo o género de precisões com que nunca nos preocupamos, apesar do interesse evidente que elas apresentam. Ao público faltavam, de algum modo, pontos de referência. Foi só com o tempo, ao verificar o aumento constante das mortes, que a opinião tomou consciência da verdade. Com efeito, a quinta semana deu trezentos e vinte e um mortos e à sexta trezentos e quarenta e cinco. A subida, pelo menos, era eloquente. Mas não era bastante forte para que os nossos concidadãos não mantivessem, no meio da sua inquietação, a impressão que se tratava de um acidente, sem dúvida grave, mas, apesar de tudo, temporário. Continuavam, assim, a circular nas ras e a sentar-se bos terraços dos cafés.

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