Uma Odisseia, Daniel Mendelsohn (Elsinore)

  
 
   Recebi este livro nos meus anos. Não o li logo porque pensei que antes teria de reler a Odisseia, mas ainda recentemente tinha lido vários excertos, por isso decidi arriscar e começar a lê-lo. Agora que o acabei, penso que não é necessário ter uma edição da Odisseia ao lado ou ter acabado de a ler para entender este livro, porque Daniel, o autor e também o narrador, nos permite acompanhar o seminário que ministra sobre esta obra, incluindo excertos e enquadrando a sua leitura, enquanto desvenda a história do pai e  o relacionamento entre ambos. Lemos as duas Odisseia, ao mesmo tempo que vamos descobrindo pai e filho e a história deles, sobretudo a do pai, porque, como é referido a dada altura, os pais conhecem a história dos filhos, mas os filhos não conhecem a história do pai, pelo menos antes de nascerem. Inevitável concluir que Daniel é Telémaco, como lhe diz a mulher dum amigo do pai, quando procura conhecer a vida (e entendê-la) do pai, mas é também Ulisses, quando se dá a conhecer ao pai.
    O pai de Daniel, um cientista investigador reformado, então com 81 anos, pergunta ao filho se pode assistir ao seminário que este irá dar sobre a Odisseia, pelo que nos quatro meses seguintes fará a viagem entre a casa e a universidade e sentar-se-á numa sala cheia de estudantes com menos de um quarto da idade dele. Depois do seminário, os dois decidem embarcar num cruzeiro aos lugares da Odisseia.  Não há qualquer drama entre eles que tentem ultrapassar desta forma, apenas não ditos ou silêncios e desconhecimento.
    O pai frequenta o seminário, causando algumas situações embaraçosas para o filho, mas, sem que este perceba, criando laços de cumplicidade com outros alunos e suscitando a sua admiração. Compreendemos desde o início que se trata da despedida do pai, numa procura de entendê-lo e, dessa forma, também se conhecer:
    "(...) A confiança que temos na nossa capacidade de usufruir do que está no mundo, música country e enofilia, espécies de rodoendros e chávenas de chá Shelley, genealogia judaica e sintaxe grega, cartazes antigos e Jacques Demy, essa confiança, vejo-o agora, é uma espécie de património herdado do nosso pai, que nos mostrou que podia ser assim, coisa que o seu próprio pai não fizera por ele." (pg. 288).
    Há momentos muito bonitos ao longo do livro, de entendimento entre ambos, de cumplicidade e de descobertas recíprocas, sobretudo no cruzeiro. A visita à gruta de Calipso, de mãos dadas, criando a ilusão que o filho protege o pai quando a realidade é a inversa, é extraordinária. Extraordinária também é a forma como o pai fala da velhice, da morte e do amor:
    "(...) Eu sou o único aqui que sabe como é estar com alguém tanto tempo que esta já não se parece em nada com a pessoa com a qual se começou a viver." (pg. 330)
    Um livro extraordinário, que me fez recordar uma frase de Somerset Maughan, na obra O véu pintado: Por vezes, a maior viagem é a distância entre duas pessoas.

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