O Zen e a Arte da Escrita, Ray Bradbury (Cavalo de Ferro)

   
O Zen e a Arte da Escrita
    Depois de ter acabado de ler um livro, atraída pelo título, "O que Entra nos Livros", e de não encontrar aquilo que esperava, comecei a ler este, que me foi oferecido, e surpreendi-me por nele encontrar justamente o que entra nos livros.
    Gosto de ler livros sobre livros e sobre a arte de escrever.  Não procuro receitas, nem diretivas sobre como escrever livros, mas, gostando de escrever, sempre me fascinou o processo criativo. A existência ou não de disciplina. O equilíbrio entre a inspiração e o trabalho. Nunca consegui imaginar um autor a sentar-se perante uma folha em branco e obrigar-se a escrever. Penso sempre que primeiro aparece a ideia, a história, as personagens, e só depois a escrita. Quando já juntou as peças todas, como um puzzle,  então o autor senta-se e escreve. Esta ideia é reforçada pelas histórias contadas em livros e filmes sobre o bloqueio dos escritores. Não imagino alguém sem ideias sobre o que escrever, sentado a escrever. Mas é isso que Ray Bradbury aconselha. É isso que faz e é isso que sugere que os aspirantes a escritores façam:
    "(...) mil ou duas mil palavras por dia, todos os dias, ao longo dos próximos 20 ano. Poderão começar por estabelecer que o objetivo é escrever um conto por semana; portanto 52 contos por ano, durante os primeiros cinco anos. Terão de escrever e, logo a seguir, pôr de lado ou queimar muito do que escreveram, até que se sintam confortáveis com o formato. O melhor é começarem já, para despacharem essa parte, que é essencial." (pg. 136).
   Ao trabalho acrescenta descontração e não pensar e conclui redefinindo trabalho como amor.
    Mas além dos conselhos, fala sobre como surgiram os seus vários livros, sobre como devemos tratar as ideias e sobretudo do seu intenso amor aos livros, à arte e à vida. Vou por isso passar-lhe a palavra e fico-me apenas pelo prefácio:
    "(...) E o que nos ensina a escrita, perguntarão vocês?
     Antes de mais, recorda-nos que estamos vivos e que isso é uma dádiva e um privilégio, não um direito. Quando a vida nos é concedida, há que merecê-la. A vida animou-nos e, por isso, exige recompensa.
     Certo, a arte não é capaz de nos salvar da guerra, da fome, da inveja, da ganância, da velhice e da morte, como gostaríamos que o fizesse, mas, mesmo assim, pode revigorar-nos pelo meio de todas estas coisas.
     Em segundo lugar, escrever é sobreviver. Toda a arte, tudo o que for bem feito, é isso, claro.
     Para a maioria de nós, não escrever é morrer.
     (...)
     Se não escrevêssemos diariamente, o veneno começaria a acumular-se e começaríamos a morrer, ou a endoidecer, ou ambos.
     Se não queremos que a realidade nos destrua, temos de nos manter embriagados de escrita.
     Isto porque escrever nos fornece as doses certas de verdade, vida e realidade - na exata proporção em que somos capazes de as comer, beber e digerir sem entrar em hiperventilação e acabarmos como um peixe morto em cima da nossa própria cama.
     (...)
     O que significa que escrever é a cura. Claro que não cura por completo. Não há meio de ultrapassar o internamento dos nossos pais ou a morte do amor da nossa vida.
     Não quero usar a palavra "terapia", porque a acho demasiado arrumadinha e estéril. Direi apenas que, de cada vez que a morte trava outros, temos de nos erguer de um salto, subir à prancha e mergulhar de cabeça na máquina de escrever."

   

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