Neve, Orhan Pamuk (Editorial Presença)

    Demorei muito tempo a ler este romance, Neve, de Orhan Pamuk. É um livro lento, detalhado e tão compacto que nos obriga a ler devagar. 
     Ka, um poeta turco, a residir na Alemanha, vai a Istambul para o enterro da mãe e depois a Kars, cidade situada no extremo nordeste da Turquia, para cobrir as eleições e talvez escrever um artigo a propósito das raparigas sucidárias. Quanto a estas raparigas, a dada altura é dito a Ka:
     "É verdade que a causa dos suicídios reside na extrema infelicidade das nossas raparigas, disso não há qualquer dúvida. (...) Mas se a infelicidade fosse uma verdadeira causa de suicídio, metade das mulheres da Turquia ter-se-iam suicidado."
   São várias as histórias e as razões para estas jovens se suicidarem, mas o que mais o horroriza é a tranquilidade com que são encarados os suicídios [“… a maneira  como as suicidas se inseriam tão espontaneamente na banal vida quotidiana, sem aviso, sem cerimoniais.(…) o facto de as jovens terem sempre encontrado a intimidade e o tempo necessários aos suicídios”]

    O narrador é o autor, que fala connosco, leitores [“Aproveitemos o sono dele para, sem fazer barulho, darmos algumas informações a seu respeito. (…) Mas não quero enganar-vos: sou um velho amigo pessoal de Ka e sei tudo o que vai acontecer-lhe em Kars mesmo antes de começar a contar esta história.”]

    Para além das justificações que Ka dava para a sua viagem até Kars, ainda havia uma outra, inconfessada, que era a de reencontrar Ipek, por quem estivera apaixonado em jovem, na esperança de a fazer sua noiva e acabar com a solidão que sentia na Alemanha. Mas em Kars, os acontecimentos sucedem-se vertiginosamente, entre curdos, islamitas, antigos comunistas, laicos… culminando num golpe militar perpetrado por uma companhia de teatro. Ka termina por abandonar Kars sozinho. A neve acompanha sempre Ka e, para além de ser o título de um poema que escreve lá, é sinal de pureza e de reflexão.
     Noutros livros deste autor, como O Museu da Inocência ou A Mulher de Cabelos Ruivos ou Uma estranheza em mim, entre outros, nunca senti o mesmo que senti neste. Parecia que estavam a falar de um mundo – de um povo e de uma cultura - muito distante do nosso. Quando falo do nosso, falo do mundo ocidental, porque é sempre o que é referido neste romance, em oposição à vida e aos valores dos residentes de Kars:
    "Vi numa enciclopédia que a palavra "ateu vem do grego "athos". Pois bem, essa palavra não designa uma pessoa que não acredita em Deus, mas uma pessoa sozinha, abandonada pelos deuses. Isso prova que, neste mundo, o homem nunca poderia ser ateu, porque Deus, mesmo que não O queiramos, não nos abandona nesta terra. Um homem, para ser ateu, deve em primeiro lugar ser ocidental."
    Curiosamente, Ka justifica a importância da diferença que eu tanto estranhei e que é de alguma forma a chave deste romance:
    Dentro de vinte anos, ou seja, quando tiveres trinta e sete, terás compreendido finalmente que a causa de todas as facetas negativas do mundo, a saber, que os pobres sejam tão pobres quanto inconscientes, que os ricos sejam tão ricos quanto manhosos, a multidão agitada, a violência, o materialismo ambiente, ou seja, tudo o que excita em ti o desejo de morte ou sentimentos de culpa, a causa é que toda a gente pensa como toda a gente.”

***

Quero ler este livro!

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