Khan al-Khalili, Naguib Mahfouz (Civilização Editora)

    Não sei há quanto tempo tinha este livro à espera de ser lido. Por vezes, entre dois livros, abria-o, folheava-o, mas voltava a pô-lo de lado.  Desta vez, mal comecei a lê-lo tive dificuldade em interromper a leitura.
    O autor, Naguib Mahfouz, ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1988. Este romance, Khan al-Khalili, foi publicado muitos anos antes, em 1946, e a ação decorre em plena II Guerra Mundial, com a ameaça constante de bombardeamentos e o receio de uma invasão, quer pelos alemães, quer pelos aliados. É justamente devido ao receio dos bombardeamentos que Ahmad Akif, funcionário no Ministério do Trabalho, e seus pais decidem mudar para o bairro Khan al-Khalili. Segundo o pai, o bairro estaria protegido pela Mesquita de al-Hussein pelo que dificilmente seria bombardeado pelos alemães.
    O pai aposentara-se muito novo e por essa razão, Ahmad fora forçado a abandonar os estudos e a aceitar um lugar modesto no Ministério para ajudar os pais e o irmão mais novo. Apesar de ter aceitado fazê-lo, considerava-se injustiçado e sentia-se descontente com a situação. Dedicava parte do seu tempo à leitura e tinha a ambição de se tornar escritor:
 
    «- Lê... livros?
    - Sim. Que mais se pode ler?
    -Para quê tamanha trabalheira?
    - É a minha distração, a minha paixão, mi'allem Nunu! - replicou Ahmad com um sorriso.
   - Mas qualquer paixão tem de ter algum proveito! Acaso os livros fazem com que viva mais? Impedem que fique doente? Retardam o destino inevitável? Afastam as dificuldades? Enchem os seus bolsos?!
    […]
   - Mas quero realmente escrever livros – disse.
   - Existem no mundo mais livros que pessoas! Repare só na livraria al-Halabi que se situa mesmo debaixo do Clube Egípcio. Há lá tantos livros…pela religião do Profeta Muhammad … que, se os colocassem todos, uns ao lado dos outros, seriam muito mais numerosos que todos os estudantes de al-Azhar juntos! Para quê ter toda esta trabalheira para adicionar mais um título à lista?»
 
    Pouco depois de se mudarem, Ahmad e os pais conheceram os vizinhos e integraram-se na vida e rotinas do bairro Khan al-Khalili. Ahmad, apesar dos fracassos amorosos que já tinha vivido, apaixona-se por uma jovem vizinha, embora não tenha coragem sequer de lhe dirigir a palavra. É então que o irmão mais novo regressa a casa e comunica à família que tinha sido colocado numa agência no Cairo. Os irmãos, apesar de serem muito diferentes, são muito amigos. E se a história então parece seguir um caminho absolutamente previsível, não tarda a surpreender-nos até ao seu desfecho e ao abandono do bairro:
 
    «Perante os seus olhos, desfilou a história que as noites sucessivas haviam escrito até à presente noite com a tinta da esperança e do amor, da dor e da tristeza.
  Era a derradeira noite. Amanhã, conheceria uma nova casa, um novo bairro…Voltaria as costas ao passado…O passado, com tudo o que trouxera de esperança e de expetativas malogradas…
    Adeus, Khan al-Khalili.»
 
    Um livro belíssimo que só me deu vontade de conhecer os outros livros deste autor.
 
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