O Infinito num Junco, Irene Vallejo (Bertrand Editora)

     Não me lembraria de comprar este livro se não me tivesse sido recomendado pela Livraria do Viajante. Como levo muito a sério as recomendações que lá me fazem, vim com o livro debaixo do braço, apesar de ostentar uma cinta que, entre elogios de Mario Vargas Llosa, Juan José Millás e Alberto Manguel, dizia que o livro tinha sido um fenómeno de vendas em Espanha e o livro mais lido do confinamento. Aprendi a desconfiar destes encómios e a preferir livros que já ganharam algum pó nas estantes. Mas neste caso não me arrependi. 

    A priori parece-me extraordinariamente arrojado escrever sobre a invenção do livro na antiguidade, mas  é fascinante ver como a autora consegue fazê-lo como se nos contasse uma história que vai interrompendo e misturando com histórias pessoais e excertos de livros de autores atuais. O Infinito num junco começa, no prólogo, com grupos de homens a cavalo a percorrer os caminhos da Grécia, o que causa desconfiança e medo nos camponeses, mas o que estes cavaleiros procuram são livros - todos os livros do mundo - para a grande Biblioteca de Alexandria. O livro divide-se em duas partes: A Grécia imagina o futuro e Os caminhos de Roma. Mas não se fica pela antiguidade. A sensação que tive enquanto ia lendo era que  Irene Vallejo tinha colecionado histórias, recolhido frases, guardado pequenas curiosidades sobre o livro e que as ia encaixando na história como pequenas peças de puzzle. Assim, passamos de Platão a Orwell ou de Heródoto a Coetzee ou ainda de Hipárquia de Maroneia (da escola dos cínicos da Grécia Antiga, que viveu no século III a.C.) a Sophia de Mello Breyner Andresen, evidenciando uma continuidade, apesar dos séculos que os separam,  que é assegurada pelos livros, pelos autores, mas também pelos leitores. No meio ainda junta a sua experiência pessoal, como filha, como mãe e também como estudante (e até como vítima de bullying).

    E a história dos livros envolve a história do material no qual são escritos, das letras, das línguas, dos títulos, das bibliotecas, das livrarias, dos autores e até da sua comercialização. Mas também da censura a que foram sujeitos e da sua cíclica destruição. Não pode deixar de nos surpreender que alguns, como Sócrates, receassem a escrita, como nos nossos dias se desconfia da Internet e dos seus efeitos no conhecimento e na memória. "Sócrates temia que os homens abandonassem o esforço da própria reflexão por causa da escrita. Suspeitava que, graças ao auxílio das letras, se confiaria o saber aos textos e, sem o empenho de compreendê-los a fundo, bastaria tê-los ao alcance da mão." (pg. 124).

    O próprio livro, mantendo-se igual a si há tantos anos, mudou significativamente. Antes do Império Romano o livro destinava-se a ser lido apenas por familiares e amigos. Só  entre os séculos I a.C. e I d.C. é que o livro passou a ser lido por leitores anónimos, desconhecidos do autor. Também durante muito tempo os autores eram anónimos. Segundo a autora, "o primeiro autor do mundo que assina um texto com o seu próprio nome é uma mulher" (Enheduanna, poeta e sacerdotisa, que viveu mil e quinhentos anos antes de Homero). Dos pouco livros escritos e copiados à mão passámos para uma catarata de letras impressas que, como refere, Irene Vallejo, faz transbordar todos os diques da medida. "Publica-se um novo título a cada meio minuto, cento e vinte por hora, dois mil e oitocentos por dia, oitenta e seis mil por mês. Um leitor médio consegue ler em toda a sua vida o que o mercado produz numa única jornada laboral, e todos os anos se destroem milhões de exemplares órfãos." (pg.265)

    Apesar de ser sobre a invenção do livro, O Infinito num junco é sobretudo uma declaração de amor aos livros e a convição da sua perenidade:

    "O livro superou a prova do tempo, demonstrou ser um corredor de longas distâncias. Sempre que acordámos do sonho das nossas revoluções ou do pesadelo das nossas catástrofes humanas, o livro continuava ali. Como diz Umberto Eco, pertence à mesma categoria do que a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Depois de inventados, não se pode fazer nada melhor."

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