O Plantador de Abóboras (Sonata para uma neblina), Luís Cardoso (abysmo)

    Tive a sorte de ter ouvido falar n’O Plantador de Abóboras antes de o livro estar editado e, mais tarde, antes que me chegasse às mãos, tive a oportunidade de ouvir Luís Cardoso, no programa “Todas as palavras”, na RTP3 (https://www.rtp.pt/play/p8281/e518042/todas-as-palavras) falar sobre o livro. De tudo o que disse, retive especialmente a parte em que explica que a protagonista de O Plantador de Abóboras é uma mulher, porque em Timor quase todos os heróis são homens, e as mulheres são as heroínas escondidas da história. Se já tinha alguma expetativa quanto ao livro, a entrevista e, em particular, esta dedicatória, acentuou-a significativamente.

    O livro abre com 4 gravuras, belíssimas, de Ana Jacinto Nunes, a que se soma a da capa, e acaba com o terno desenho do plantador de abóboras pela filha do autor, Clara Noronha.

    A história de O Plantador de Abóboras começa com a chegada de um homem a Manu-mutin. Lá está a mulher, que é a filha adotada (roubada) por aquele que era o proprietário, daquela terra, morto entretanto. É uma mulher, noiva sem noivo, mas é também uma casa, uma terra, a memória ou a história do país, e ali permanece sozinha:

    “Que devia ir-me embora para não estar aqui sozinha e ser devorada pela minha memoria. Que estou povoada de ausentes. Não dos que foram embora para a cidade de Dili, mas dos que partiram e não se ausentaram.”

    A mulher (tal como a mãe daquele que seria o seu pai) não tem nome, ao contrário das outras personagens que percorrem a história. Lendo o livro, que decorre em círculos, com regresso ritmado ao ponto de partida, o da chegada do homem que queria plantar abóboras, percorremos a história de Timor Leste e sentimos como esta afetou de forma indelével a personalidade dos seus habitantes:

     “(...) Fizemos o mesmo jogo de dupla face, correndo riscos calculados, sabendo de antemão que no fim se perdermos uma, fosse ela a verdadeira ou a falsa, há de sobrar aquela que nos salvará a face. Foi assim que os ludibriámos. E continuamos a fazê-lo entre nós como se ainda cá estivessem, mascarados com os nossos rostos.”

    “(…) Foi tudo em grande, os sonhos e as expetativas. Pena não termos a mesma grandeza para aceitarmos que afinal de contas somos iguais aos outros. Tão maus como os maus e tão bons quanto os bons. Passada a fase romântica da luta heroica que nos elevou tão alto como a montanha de Ramelau fomos escorregando pela encosta abaixo e descemos tão baixo que metemos a mão no lodo e na lama na disputa pela posse da galinha dos ovos de ouro.” 

    N'O Plantador de Abóboras está a história de Timor-Leste, do último século: a revolta do Manufahi, o colonialismo português, a invasão japonesa, as colunas negras, a invasão indonésia e, por fim, a independência. E estão também as suas tradições e crenças, o crocodilo, os galos, o café, algumas palavras em tétum. E está, parece-me, uma declaração de amor àquele novíssimo país à mistura com a descrença ou desilusão quanto à sua elite:

     "Que pelo facto de teres participado na luta de libertação não te concede nenhum privilégio especial de esbanjar o dinheiro do Fundo Petrolífero".

    Em formato de poesia e com o ritmo de uma sinfonia, é também um apelo à memória porque como diz “O passado é um lugar estranho quando se sai dele como se nunca lá se tivesse entrado.”


***

Quero ler este livro!

 

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