Quanto mais depressa ando, mais pequena sou, Kjersti Annesdatter Skomsvold (Eucleia Editora)

quanto mais depressa ando mais pequena sou Clube de Leituras

    Encontrei este livro “Quanto mais depressa ando, mais pequena sou”, por acaso, nos Livros Dona Ajuda, entre livros empilhados e outros já empoleirados em estantes. Não precisei de ler o que aparece na contracapa para me decidir a trazê-lo, embora nunca tivesse ouvido falar do livro, nem da autora (cujo nome ainda agora hesito em pronunciar:  Kjersti Annesdatter Skomsvold).
    "(...) e gostaria de poder poupar o pouco que tenho de vida até saber o que fazer com ela. Mas não vale a pena, teria de ficar no congelador, e só temos um daqueles pequenos compartimentos de refrigeração no topo do frigorífico.”
    Mas o grande problema é a marca que deixará, o que a leva a preparar uma cápsula do tempo e até a pensar escrever o próprio obituário para o jornal publicar aquando da sua morte, como prova da sua existência. Epsilon, o marido, que conheceu quando um raio a atingiu, e que um dia lhe diz que ela não conhece ninguém para além dele, tem todos os números do anuário de estatística, menos o de 1888, e com frequência dá-lhe informações estatísticas, como o facto de as mortes resultantes de quedas serem mais frequentes nas mulheres. Mesmo tendo passado a idade da reforma, continua a sair diariamente para o Departamento Central de Estatística, até um dia ser forçado a reformar-se.
    Apesar das referências constantes à velhice e à morte, não é trágico ou o que pode ser trágico é, simultaneamente, cómico e absurdo. Como quando Mathea deseja estar fechada em casa como a Aung San Suu Kyi, porque apesar de a Amnistia Internacional e pessoas de todo o mundo exigirem a sua libertação, é obrigada a permanecer fechada ou quando pensa que podia enterrar o telefone mas depois lembra-se que alguém poderia ligar, embora o Epsilon só tivesse ligado uma vez depois de instalar o telefone, ou quando pensa que apanhou “memento mori” (lembra-te que vais morrer), uma doença que a faz recear a morte. Um dia descobre que para se curar do medo da morte tem de se expor cada vez mais à morte e para isso pensa que pode começar a visitar cemitérios ou a viver perigosamente.
    Mathea e Epsilon amam-se e protegem-se reciprocamente, mas dificilmente conseguem exprimir o que sentem pelo outro: “Queria dizer-lhe o quanto gostava dele, mas, em vez disso, disse-lhe que, no ano passado, sete pessoas tinham sido mortas por tubarões e catorze por torradeiras.”
    Mathea mata-se depois da morte de Epsilon. A velhice e mesmo a morte de ambos, é vivida, sentida e transmitida de uma forma inesperada e que surpreende o leitor. Parece-me impossível que a autora tenha inventado estas personagens, imagino-a a anotar o dia a dia de um casal de velhos seus vizinhos e a preencher os espaços em branco.

    Foi uma feliz e surpreendente descoberta. Um livro sobre a velhice, escrito pela mão de uma mulher, quase centenária, com problemas de relacionamento – não gosta de se dar com pessoas, como diz – que se sente invisível e que sofre de agorafobia. Mas dizer isto é dizer muito pouco, sobre a vida de Mathea, casada com Epsilon, a pensar constantemente na sua morte e sem saber o que há de fazer da vida ou do tempo que lhe resta, para além de tricotar tapa-orelhas.

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