rapariga mulher outra, Bernardine Evaristo (Elsinore)

    

rapariga mulher outra de bernardine evaristo Clube de Leituras
      Rapariga mulher outra recebeu o Booker Prize 2019 juntamente com Os Testamentos de Margaret Atwood. Mais do que o prémio, acho que foi o título que me atraiu. As palavras em minúsculas, sem vírgulas ou outro sinal de pontuação a separá-las, aumentando de tamanho de rapariga para mulher e depois para outra, indiciando uma transição e, simultaneamente, um crescimento e uma abertura.

    Apesar de contar a história de 12 mulheres, na verdade fala-nos de muitas mulheres, negras, de diferentes gerações, que têm em comum viverem em Inglaterra e terem todas a sua origem nas antigas colónias britânicas. É na realidade uma constelação de mulheres, algumas de gerações distintas, que se conhecem, amam, protegem, descendem ou se cruzam algures na vida.

    Convenço-me que os escritores(as) escrevem como eu os leio.  Li rapidamente rapariga mulher outra, e, parece-me, que também foi escrito assim. Num fôlego só, com um ritmo acelerado, parágrafos curto, sem ponto final e com o parágrafo seguinte a iniciar-se com uma minúscula. Por vezes cada linha tem apenas duas ou três palavra, como se fosse um poema ou para levar o leitor a mudar de ritmo de leitura (enquanto dança/só para si/esquecida de tudo/dos pensamentos/do corpo/só sente/deixa tudo sair/ninguém está a ver/ou a julgar…)

     A personagem principal, central relativamente a todas as outras, é Amma, uma dramaturga negra e lésbica que depois de ter sido muitas vezes rejeitada e de ter conseguido alguns sucessos pouco significativos, tem um grande êxito na estreia, em Londres, da peça A Última Amazona do Daomé, com um elenco composto totalmente por mulheres negras. Amma tem uma filha, Yazz, que estuda e quer ser jornalista. O pai, Roland, homossexual, é um académico e escritor reputado e algo enfatuado. Yazz gere inteligentemente a relação com os pais e com as pessoas com que cada um vive e é, em comparação com eles, ou talvez por causa deles, bastante mais tradicional […mas que raio se passa com a juventude de hoje em dia (…) vocês é que deviam estar a entupir-se todas de coca e não nós!]. Sonha com um grande amor e uma relação monógama porque não é como a mãe.

    Dominique, a terceira mulher, é a mais antiga amiga de Amma. Trabalharam juntas durante vários anos no teatro. Um dia conhece Nzinga, uma escultural afro-americana, cuja família é originária do Gana. Dominique abandona tudo e vai com ela para uma comunidade de mulheres nos EUA, construir casas. Apesar da paixão que sente por ela, a relação vai-se degradando. Nzinga revela-se uma mulher dominadora e obsessiva até que Dominique a deixa, fugindo com a ajuda das outras mulheres.

    De seguida conhecemos Carole, que foi violada ainda na escola e um dia decidiu o que não queria na vida (não vou acabar assim, não vou, não vou, disse para consigo, hei de escapar daqui, vou ter outra vida) e foi pedir ajuda à professora King que nunca mais a deixou em paz até ao fim do liceu. E  conseguiu entrar na Universidade de Oxford, no curso de matemática, e mais tarde ser contratada por um banco de investimento.  Casa com Freddy que é praticamente o seu oposto.

    Bummi, a mãe de Carole, espera que ela case com um nigeriano. Bummi veio para Londres com o marido, Augustine, que pensava que conseguiria arranjar um emprego à altura das suas habilitações, mas teve de se resignar a conduzir um táxi. Quando Augustine morreu, Bummi abriu uma empresa de limpeza. Anos depois volta a casar com Kofi.

     LaTisha é amiga de Carole. Depois de ainda adolescente ter três filhos de pais diferentes, continua a viver em casa da mãe, com a irmã. E um dia mudou e decidiu abandonar o horror da sua adolescência e chegar a responsável geral da loja onde trabalha. Passamos para a Shirley, amiga de Amma – que mais tarde será a professora King – que dá aulas num liceu misto de Peckham e é colega de Penélope, em casa de quem Bummi trabalha. Por ela vamos acompanhando as mudanças nas escolas: “os anos 80 passaram à história e chegaram os anos 90, desejosos de trazer mais problemas que soluções (…) com a chegada do novo milénio foram instituídas as inspeções aleatórias regulares aos alunos, abriam-lhes as mochilas e encontravam navalhas que teriam estripado um rinoceronte”.

    Shirley é casada e tem duas filhas, uma estudou farmácia e a outra informática e ela sente que pode ter ido longe como filha de imigrantes, mas as filhas já conseguiram ir mais além. Winsome, a mãe de Shirley tem uma casa em Barbados, onde a filha e a família vão passar férias. Winsome conheceu o marido pouco depois de chegar a Inglaterra, num encontro de caribenhos. Mais tarde, já com filhos, decidem sair de Londres e são discriminados e os filhos maltratados na escola até que decidem ir viver para Londres. O casamento de Winsome é tranquilo, mas não é excitante e ela sente uma atração pelo genro que é temporariamente correspondida.

    Penélope, a colega da professora King soube aos 16 anos que tinha ido adotada. Sente-se órfã, bastarda, indesejada, rejeitada. Passado pouco tempo apaixona-se por Giles com quem se vem a casar. Depois de ler A Mística da Mulher, de Betty Friedan, a vida dela muda. O livro fala das mulheres americanas que estudaram, mas que depois se espera que se contentem em ser mães e fadas do lar. Termina por se divorciar. Volta a casar e a divorciar-se coincidindo com a saída dos filhos de casa.

    Passamos para Megan/Morgan e o dilema de ser mulher ou homem, dos géneros e sexos binários e no enorme sofrimento que estas situações causam. Um dia Megan/Morgan vai falar na universidade em que estudam Yazz e as amigas, e as duas voltam a encontrar-se na estreia da peça de Amma. Passamos para Hattie, a avó de Megan/Morgan e que a aceita sem restrições, mas sem a compreender e, finalmente, para Gracie a mãe de Hattie.

    Uma viagem pelas mulheres de vária gerações e origens, que se cruzam, como uma constelação complexa, cheia de ligações entre si, mas em que sobressai o amor, sob qualquer forma, que sentem e vivem. Em quase todas estas histórias, há um momento de mudança, muitas vezes decidido pelas próprias que, um dia, decidem que querem mudar ou decidem apenas que não querem a vida que lhes está destinada.

     Um livro a não perder – e, enquanto escrevo, penso como seria um livro com mulheres oriundas das antigas colónias portuguesas e agora aqui residentes.


***

Quero ler este livro!

Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)