Uma Mulher Desnecessária, Rabih Alameddine (Porto Editora)
Sou leitora assídua da crónica do Miguel Esteves Cardoso no Público. Na crónica do passado dia 27 de agosto, com o título O que eu aprendi, escreve logo no início o seguinte:
«Aprendi que as mulheres são muito mais parecidas com os homens do que eu pensava - e eu sempre pensei que eram muito parecidas.»
Concordo plenamente com esta afirmação e, se
dúvidas tivesse, teriam sido dissipadas depois da leitura do livro Uma Mulher Desnecessária.
Este ano, decidi ler livros escritos por mulheres, não por considerar que há uma
escrita feminina e uma escrita masculina ou que na sua essência homens e
mulheres escrevem diferentemente ou sobre temas distintos, mas apenas para privilegiar
escritoras mulheres na minha seleção de leituras, contornando a sua menor
projeção por parte de editoras, críticos e leitores. Das escritoras que li, de
várias nacionalidades e continentes, não encontrei um denominador comum naquilo
que escrevem, a não ser o facto de, em regra, as suas histórias serem protagonizadas
por personagens femininas.
Ora, Uma Mulher
Desnecessária, embora escrita por um homem, tem uma mulher como protagonista e quase
não reserva espaço aos homens. A mulher desnecessária é Aaliya Saleh, que vive
sozinha num apartamento em Beirute, depois de se ter divorciado. Trabalhou numa livraria e todos os anos traduz um livro para árabe que não publica
e que conserva, juntamente com as traduções de francês e inglês, em caixotes, na
divisão destinada ao quarto da criada. Durante vários anos, a sua família de
origem, os seus meios-irmãos e a mãe, exige-lhe que troque o seu amplo apartamento
com um dos irmãos, mas ela recusa-se terminantemente.
Não se passa
quase nada no dia a dia que ela nos conta, nem sequer na vida que viveu, sendo que
pequenos acontecimentos do seu quotidiano e do das outras mulheres que vivem no
mesmo prédio, assumem uma importância enorme. Ao mesmo tempo que nos fala de Hananh, a
sua quase cunhada, fala-nos da guerra – ou das guerras – que ciclicamente se
abate sobre Beirute e dos livros que leu. De autores portugueses fala de
António Lobo Antunes e, repetidamente, de Fernando Pessoa e do Livro do Desassossego.
E fala-nos sobretudo do destino das mulheres libanesas da geração dela:
«O que podia uma jovem de classe média da sua geração fazer? Uma jovem instruída, fluente em duas línguas, árabe e francês, e igualmente familiarizada com uma terceira, o inglês? Uma jovem que adorara filosofia no liceu e se distinguira nessa disciplina?
Pouca coisa.»
Pouca coisa.»
Beirute é também uma personagem:
«Beirute
muda os seus deslumbrantes acessórios com mais frequência do que as damas da
sua alta sociedade; tem muito mais madeixas luminosas do que elas, isso é
certo. Beirute cintila. Consoante a época do ano, a hora do dia, as condições
meteorológicas e inúmeras outras variáveis, as suas faixas de luz
metamorfoseiam-se…»
A escrita é
feita em ciclos e um pouco repetitiva, mas também por isso eficaz na quase
irrelevância da vida que nos é contada.
Chamou-lhe Uma Mulher Desnecessária, mas também poderia ser invisível, como A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha. Vidas quase não vividas e sobretudo não vistas.
Chamou-lhe Uma Mulher Desnecessária, mas também poderia ser invisível, como A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha. Vidas quase não vividas e sobretudo não vistas.
Rabih
Alameddine, embora tenha nascido na Jordânia, é filho de pais libaneses e divide
a sua vida entre São Francisco e Beirute.
***
Comentários
Enviar um comentário