Olhai os lírios do campo, Erico Veríssimo (Livros do Brasil)

Olhai os lírios do campo
    Tenho este livro há muito tempo. Não me recordo se o herdei ou se o comprei em segunda mão. Editado em 1938, é o primeiro volume da Coleção Livros do Brasil. As páginas amarelecidas exalam o cheiro típico dos livros velhos. A capa está marcada  pelo uso e pelo que aparentam ser marcas de água e de leitura.
    Não sei porque ainda não o tinha lido, até porque o título, uma passagem da Bíblia, é muito bonito. Olhai os lírios do campo é romance quase religioso ou pelo menos escrito por um crente em Deus. 
    O livro divide-se em duas partes e a primeira lê-se numa voragem. Amante como sou de livros policiais, ao começar a ler, pensei que Erico Veríssimo tinha encontrado a fórmula perfeita para manter o leitor em suspense. Logo no primeiros parágrafos ficamos a saber que Olívia, internada num hospital, irá morrer em breve e pediu para ver o Dr. Eugénio. Nada mais sabemos sobre um e outro. Os capítulos seguintes, até à segunda parte, decorrem enquanto Eugénio - o Dr. Eugénio - se dirige apressadamente para o hospital e ficamos a conhecer as suas histórias, o passado comum e os sonhos de ambos. E percebemos que na expetativa de ainda encontrar Olívia com vida, nesse reencontro reside a possibilidade de redenção de Eugénio que até então sonhara sobretudo ser rico. Como refere a dado passo, em vão procurou Deus.
    Na segunda parte, apesar do trágico desfecho, Eugénio decide mudar de vida:

    «Só através do sofrimento e da luta é que ele poderá encontrar-se a si mesmo. Mais tarde há-de vir-lhe uma serena aceitação da vida e no fim talvez ele descubra Deus. (...) A vida deve ter um sentido. Agora Eugénio começa a adivinhar nela contornos mais lógicos, o princípio de um desenho nítido. Ser bom e ser forte na bondade, fugir à violência e à ambição desmedida, ter olhos para a profunda beleza das coisas, ser às vezes como uma criança que está a todo o instante redescobrindo o Mundo.» (pg. 151)

    Confesso que a segunda parte me pareceu muito menos interessante, na forma como é narrada, nas personagens e nas pequenas histórias que vão cruzando a vida de Eugénio. Maniqueísta também nas personagens, que se dividem em ricas e pobres, sendo as primeiras mesquinhas e as segundas generosas, com exceção de um casal jovem, filho de pai abastados, mas cujo amor é contrariado pelas famílias. Quando muda de vida e abre um pequeno consultório, o Dr. Eugénio apercebe-se da pobreza dos seus doentes e da importância de um serviço público de medicina:

   «- Talvez um dia tenhamos a medicina socializada (...) - Um grande hospital de urgência, com um perfeito serviço de ambulância, todos os recursos da técnica, muitos médicos.... » (pg- 216)

    E se por um lado, o Dr. Eugéno vai sonhando com uma medicina socializada, os ecos dos regimes fascistas na Europa já se fazem ouvir, bem como o presságio da que será a II Guerra Mundial. Numa conversa com Filipe, arquiteto, muito ambicioso, este elogia Mussolini e diz que considera o regime ideal o fascista, «o do braço de ferro». Não há qualquer contestação a esta afirmação, a não ser a referência à eternidade, como se o contraponto do regime fascista, fosse Deus ou a Igreja.
    Um livro muito bem escrito, mas em que as marcas do tempo não se ficaram pela manchas na capa e pelo amarelecimento das folhas.

***

Quero ler este livro!

   

Comentários

  1. Já o li há muitos anos, juntamente com outros livros de Erico Veríssimo (Clarissa, a Trilogia o Tempo e Vento e um outro, penso com o titulo Caminhos Cruzados). Impressionou-me e achei-o tão triste porque queria que o Dr. Eugénio tivesse descoberto mais cedo o que era realmente importante para ele. Também há anos passou na televisão uma telenovela brasileira que era inspirada nesta obra.

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  2. Foi o primeiro livro que li de Erico Veríssimo e também o achei muito triste. Muito datado e apesar de tudo, com pouca esperança no futuro.
    Já agora, qual foi a telenovela?

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