Uma História da Leitura, Alberto Manguel (Tinta da China)

 Uma História da Leitura    Leio Uma História da Leitura com um ano de atraso, altura em que a recebi e, fiel à minha decisão de ler mais livros de autoras de língua portuguesa, a deixei em pousio, mas sempre próxima, para a ir desfolhando e antecipando o prazer de a ler. Até que à procura do próximo livro que leria, a comecei a ler e não parei.

    Uma História da Leitura está dividida em três partes: A Última Página; Actos de Leitura e Poderes do Leitor, estas duas últimas divididas em capítulos. 

    Nos Actos de Leitura aborda, entre outros temas,  Os leitores silenciosos, Aprender a ler, Ler imagens ou Ouvir Ler. Na terceira parte, escreve sobre o Leitor simbólico, O furto de livros e o Autor e o Tradutor como leitores, bem como de Leituras proibidas. Quando escrevi esta última frase, usei o verbo falar, que depois substituí pelo verbo escrever, lembrando-me que Manguel justifica o uso frequente daquela expressão na prática antiga de leituras públicas, daí que se diga que um autor ou um livro falam, quando na realidade nos estamos a referir à escrita (pg. 79). 

    Basta enunciar os títulos de alguns dos capítulos para percebermos como a leitura tem várias perspetivas ou pode ser analisada de diferentes formas, e o Autor, Alberto Manguel, as aborda detalhadamente. Algumas são óbvias, outras inesperadas, como o furto ou o louco dos livros. E a propósito do furto, comum em bibliotecas, cita a inscrição existente na Biblioteca do Mosteiro de São Pedro em Barcelona:


    «A quem roube ou leve emprestado um livro sem o devolver a seu dono, que  o livro se metamorfoseie em serpente na sua mão e o morda. Que fique paralisado e todos os seus membros, condenados. Que definhe de dor, que em pranto peça misericórdia, e que não veja cessar os seus tormentos até que se desfaça. Que os vermes se banqueteiem nas suas entranhas, em nome do Verme que não morre. E quando, enfim, acontecer o seu julgamento final, que as chamas do Inferno o consumam para todo o sempre.»


    Quando acabei de ler Uma História da Leitura, dei por mim a pensar se sobre a leitura faltava algum ângulo, alguma perspetiva que Alberto Manguel se tenha esquecido de abordar, mas penso que não e, nos vários capítulos, o que sobressai é o imenso amor à leitura e aos livros:


     «Talvez conseguisse viver sem escrever. Não creio que conseguisse viver sem ler.» (pg. 30)


     E ultrapassando a leitura, há a relação entre o leitor e o livro e nesta, como noutras partes, senti uma total identificação com o que escreve/descreve:


     «Gosto de descobrir, em livros quase esquecidos, vestígios do leitor que fui um dia - rabiscos, bilhetes de autocarros, pedacinhos de papel com nomes e números misteriosos e, uma vez por outra, na página de guarda do livro, uma data e um lugar que me transportam para um certo café, um longínquo quarto de hotel, um Verão de outros tempos.» (pg. 303)


    A leitura ou o prazer da leitura têm efeitos absolutamente imprevisíveis, como o facto de um dos mais conhecidos charutos cubanos partilhar o nome com o título de um romance de Alexandre Dumas. Os charutos Montecristo são assim chamados porque os trabalhadores cubanos – bem como os que depois emigraram para os EUA – estavam habituados a pagar a um leitor que lia em voz alta enquanto eles trabalhavam. Como um dos livros favoritos era O Conde de Montecristo, um grupo de trabalhadores escreveu a Alexandre Dumas pedindo autorização para dar o nome do protagonista a um dos seus charutos.

    Ao longo da leitura, fui-me recordando de O Infinito num Junco, de Irene Vallejo, sobre a invenção do livro. Neste, como n’Uma História da Leitura, os dois autores entremeiam a história do livro e da leitura com histórias pessoais, imagens e excertos de livros, mas parece-me que Irene Vallejo conseguiu uma mistura mais harmoniosa ou, pelo menos, mais leve. Em ambos, partilhamos com os autores o prazer da leitura, da sua aprendizagem, da sua descoberta e redescoberta a cada novo livro.
    Por isso a minha sugestão é que leiam Uma História da Leitura demoradamente e intervalando com outras leituras, abrindo o livro ao acaso e lendo um capítulo ou parte apenas, aproveitando as imensas histórias que nos são contadas.
    Na Introdução ficamos a saber que Alberto Manguel cedeu a sua biblioteca à cidade de Lisboa, tendo sido decidido criar o Centro de Estudos da História da Leitura, que previsivelmente em breve será aberto ao público.

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