Sinfonia em Branco, Adriana Lisboa (Círculo de Lisboa)

Sinfonia em Branco
   Sinfonia em Branco foi publicado em 2001 e dois anos depois venceu o Prémio Literário José Saramago. Provavelmente terá sido nessa altura que o adquiri. Sei que o comecei a ler mas interrompi a leitura que só retomei agora, vinte anos depois, nesta outra edição que me foi oferecida por uma amiga, leitora compulsiva e amante de livros do "sebo", expressão que aprendemos as duas depois de termos recebido livros "ensebados” de uma amiga comum.

     Enquanto o lia tentava perceber porque o tinha abandonado a meio, mas sem sucesso. Desta vez, fiquei presa pela escrita, logo na primeira página:

  “O amor era como uma marca pálida deixada por um quadro removido após anos de vida sobre uma mesma parede. O amor produzira um vago intervalo em seu espírito, na transparência dos seus olhos, na pintura envelhecida da sua existência. Um dia, o amor gritara dentro dele, inflamara suas vísceras. Não mais. Mesmo a memória era incerta, fragmentada, pedaços do esqueleto de um monstro pré-histórico enterrados e conservados pelo acaso, impossível recompor um todo íntegro. Trinta anos depois. Duzentos milhões de anos depois.”

     Isto quando ainda não sabia de que amor se falava, nem quem eram as personagens em cujas vidas iria mergulhar. Nem que a história estava longe de ser, apenas uma história de amor.

     As personagens principais são Clarice e Maria Inês, irmãs, filhas de um fazendeiro, de que pouco sabemos, exceto o que descobrimos através dos olhos ingénuos da filha mais nova. A mãe, Otacília, tenta resolver a situação, sem nunca falar sobre o que aconteceu. Não fala também sobre a desilusão que é o seu casamento, nem da doença que a vai minando por dentro. O silêncio é opressivo:

     “E havia aquelas palavras em carne viva que Maria Inês e Clarice nunca trocavam. Seus pais lhes haviam ensinado o silêncio e o segredo. Determinadas realidades não eram dizíveis. Nem mesmo pensáveis. As coisas ali eram regidas por um mecanismo muito particular capaz de apanhar a infelicidade em seu percurso entre vísceras e artérias e fabricar-lhe uma máscara de pedra. Então Maria Inês continuava guardando aquelas palavras sangrentas e cuidando para que doessem o mínimo possível.” (pg. 103)

     Com uma escrita poética e uma narrativa não cronológica, vamos acompanhando presente e passado das duas irmãs, até ao momento inicial/final em que ambas se encontram, na fazenda da família. Meninas outra vez, à espera do futuro.

    O título Sinfonia em Branco é roubado da obra do pintor norte-americano Whistler, que pintou três Sinfonias em Branco (a capa reproduz a 3.ª), sempre com jovens raparigas pintadas de branco. Virginais. Era desta forma que Tomás, vizinho da tia-avó com quem as irmãs, à vez foram viver, via Maria Inês, ignorando o que tinha visto, ainda menina.

     A parte boa de não o ter lido há 20 anos foi tê-lo lido agora.

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