Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro, Susana Moreira Marques (Companhia das Letras)

    Tenho As Mulheres do meu País, numa edição fac simile, da Caminho, de 2002, que me foi oferecido pela minha mãe, mas lembro-me deste livro desde sempre, em casa dos meus pais.
    Confesso  que ainda acalento a esperança de um dia (quando me reformar?) fazer o mesmo percurso que levou Maria Lamas a percorrer o país para conhecer, «em todos os seus aspetos, a vida da mulher portuguesa» (nota inicial d'As Mulheres do meu País): a camponesa, a mulher do mar, a operária, a empregada e a doméstica. Foi isso que fez Susana Moreira Marques, juntamente com Marta Pessoa, que quis filmar o livro e fazer uma viagem semelhante. O filme - que não vi (onde o poderei encontrar?) - tem também um título lindíssimo: Um nome para o que sou. Desta viagem e da pesquisa que efetuou para fazer o texto para o filme nasceu também este livro.
    Fico feliz por não o classificar. Em regra, não o sei fazer, mas este é um livro inclassificável, que não pode ser simplesmente catalogado e arrumado numa estante de um biblioteca. Penso que, ao contrário do que aparece na contracapa, não é um relato de viagem, nem um ensaio sobre os textos que as mulheres não escreveram e as vidas que elas não viveram, nem é uma narrativa autobiográfica. São reflexões, notas de leitura, apontamentos da viagem que a autora faz e que a leva não só em busca dos caminhos percorridos pela Maria Lamas e das mulheres - outras mulheres - com quem ela falou, mas também ao encontro da sua própria avó - que poderia ser uma das mulheres entrevistada -, das filhas e dela própria. Uma viagem no tempo através das mulheres que nos precedem e nos sucedem.
    Segundo ela, as mulheres com quem agora fala já não precisam que se escrevam livros sobre elas, que possivelmente não vão ler, nem que façam filmes sobre elas, que possivelmente não vão ver ao cinema, (...) precisam apenas de um pouco mais de atenção.
    Curiosa a forma como acaba:

    «A minha filha, como todas as crianças pergunta porquê.»
    «Porque é que elas não têm sapatos?»
    «Porque é que aquela menina tão pequena leva o irmão às costas?»
    «Porque é que aquela criança veste roupa de mulher?»
    «Dou respostas, mas ou são demasiado simplificadas ou pouco convincentes na sua complexidade. Mas não digo que não sei. Que ninguém sabe realmente porque era assim e porque durou tantos longos anos no meu país.»

    Para além de contar a origem deste livro e roubar algumas partes, mais não consigo fazer. Não é possível escrever sobre Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro. Há que o ler.

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