Le viel incendie, Elisa Shua Dusapin (ZOE)

     Não conhecia este livro, nem a Autora, Elisa Shua Dusapin. Filha de pai francês e mãe sul-coreana, nasceu em Paris, em 1992, onde viveu durante alguns anos. Atualmente reside numa pequena cidade na Suíça. Como ela própria refere, esta diversidade linguística e cultural ajuda a perceber a sua obra, em particular este último livro, «Le viel incendie». Tanto quanto consegui apurar, embora seja uma Autora premiada, nenhum dos seus livros foi traduzido para português, o que é de lamentar. 

    «Le viel incendie» recebeu o Prémio Wepler, da Fundação La Poste, e o Prémio Fénéon 2023. Como é dito na contracapa, depois de 15 anos de afastamento, Ágata, guionista em Nova Iorque, regressa à sua terra natal, Périgord, França, para, juntamente com a sua irmã mais nova, Vera, desmanchar a casa dos pais. Têm apenas 9 dias para o fazer, de 6 a 14 de novembro. As pedras da casa servirão para restaurar o pombal centenário de um vizinho, destruído por um incêndio antigo.

    Até aos 15 anos, Ágata viveu com o pai e a irmã, afásica desde os 6 anos. Não há qualquer explicação para a afasia da Vera, mas Ágata acha que desta forma a irmã lhe vedou o acesso ao seu interior, à sua intimidade. Pouco tempo depois, a mãe abandona a família e refaz a sua vida, encontrando-se espaçadamente com as filhas até cortarem definitivamente. À distância, Ágata mantém uma relação cada vez mais distante com o pai, que nos poucos telefonemas que faz, lhe conta a evolução da irmã e depois se limita a falar da casa. Como adultas, as irmãs só se encontraram uma vez, no funeral do pai, contudo tinham uma ligação muito forte durante a infância, dormiam juntas quando os pais discutiam, ambas eram muito tímidas e Ágata defendia a irmã sempre que a importunavam por não falar. Tinha-lhe prometido que sempre estaria lá para a proteger, o que não aconteceu

  O livro é narrado na primeira pessoa, por Ágata. Neste regresso não é apenas o encontro com a irmã que a perturba, embora se surpreenda por a encontrar autónoma, desenvolta e comunicativa, através de mensagens escritas no telemóvel, mas também o regresso à casa e à terra onde cresceu, apesar de ser vista como uma estranha. Percebe que sabe muito pouco sobre a irmã, que a acusa de ter vergonha dela quando eram miúdas e agora ter pena. Ela também acusa a irmã de nada saber sobre a vida dela.

    Ao longo da leitura senti que eram dadas várias pistas ao leitor que depois não eram explicitadas: o abandono da mãe, a afasia da irmã, a ida de Ágata para os EUA. Até o título do livro: o velho incêndio que ocorreu há um século e que destruiu o pombal. A relação com Octávio, o dono do pombal e que a dada altura lhe pergunta: «Se tu tivesses de escolher preferias ser desejada toda a vida sem emoção ou amar platonicamente?»

    As emoções do reencontro entre as duas irmãs esfumam-se ao nono dia, quando as duas irmãs dão as mãos e sabem que têm de partir, cada uma em sua direção, para as vidas respetivas, fechando definitivamente a casa onde cresceram e os fantasmas que nela habitam. A casa onde cresceram nunca se tornará uma ruína. «As suas pedras continuarão a ser o que sempre foram: um abrigo».

Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)