Dedico-lhe o meu silêncio, Mario Vargas Llosa (Quetzal)
Talvez todos os escritores sejam irregulares na escrita ou talvez sejam os leitores que oscilam na apreciação da sua obra, gostando de alguns livros e depreciando outros sem que haja uma verdadeira razão para tal. É o que sinto com a leitura de Mario Vargas Llosa: alguns livros, como A Festa do Chibo ou O Sonho do Celta ou ainda A Guerra do Fim do Mundo, são extraordinários, outros dececionaram-me, apesar de reconhecer em todos a qualidade da escrita. Dedico-lhe o Meu Silêncio fica a meio caminho entre uns e outros.
Toño Azpilcueta, o protagonista, acredita que
é o melhor conhecedor e escritor de música e das danças populares peruanas. Um
dia recebe um convite para ir ouvir tocar Lalo Molfino, apresentado como sendo
o melhor guitarrista do Peru e talvez do mundo. E de facto, ouvi-lo tocar foi
uma experiência única: «Tinha a sensação de que aquela música o trespassava,
entrava no seu corpo e corria pelas suas veias juntamente com o seu sangue.» Pouco
depois de o ouvir, fica a saber que Lalo morreu, provavelmente ter-se-á
suicidado. Fica a saber também que era um homem estranho, um génio, mas que nunca
falava com ninguém e todos o odiavam. Tinha uma paixão por Cecilia Barraza, cantora,
amiga de Toño, a quem diz no último dia em que a o viu: «Dedico-lhe o meu silêncio».
Toño decide-se a escrever um livro sobre
Lalo, uma homenagem ao músico, e, simultaneamente, à valsa crioula. À música
peruana.
Uma das questões interessantes deste livro
é a forma como nos apresenta o Perú e, em particular, a sua capital, Lima, os seus
calllejones, os carnavais – ou carnestolendas – a música, sobretudo
a valsa crioula e os músicos, mas também as ratazanas. E a esperança de que a
música permita acabar com as divisões e o ódio entre irmãos (esta esperança é
relatada depois de contar a história de uma mulher morta pelos senderistas). Uma
palavra recorrente é huachaferia. Depois de escrever sobre a origem da palavra,
em vez de tentar uma definição, opta por dar exemplos, referindo que a valsa
crioula é a expressão por excelência da huachaferia no âmbito musical.
Como exemplos de huachaferia de alto
coturno elenca os seguintes: «desafiar para duelo, a afición taurina,
ter casa em Miami o uso da partícula «de» ou a conjunção «y» no apelido». De
classe média: ver telenovelas e reproduzi-las na vida real, levar talharins em
panelas familiares para as praias aos domingos e comê-los entre onda e onda;
dizer «penso de que» e meter diminutivos até na sopa («Bebes um champanhezinho,
irmãozinho?») e chamar «cholo» (em sentido pejorativo ou não) ao próximo. E
proletários: usar brilhantina, mascar pastilha elástica, fumar marijuana,
dançar rock and roll e ser racista. (pg. 179)
Li este livro pensando que era a despedida
do Autor e uma canção de amor ao seu país, à sua capital e à música peruana,
mas num post scriptum refere que gostaria ainda de escrever um ensaio sobre
Sartre, que foi seu mestre quando era jovem. Fica por isso a história de amor
ao Peru e à sua mulher, Patrícia, a quem o dedica.
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