Pedro Páramo, Juan Rulfo (cavalo de ferro)

    Li Pedro Páramo de um fôlego só e quando acabei de ler voltei ao início para lê-lo de novo. Não é um livro fácil, mas é um livro extraordinário. Esta edição é precedida de um texto de Gabriel García Márquez e inclui um texto final de Carlos Fuentes, sobre Juan Rulfo. Li um e outro depois da segunda leitura de Pedro Páramo. Gabriel García Márquez conta que lhe disseram para ler Pedro Páramo para que aprendesse («Leia isto, carago, para que aprenda!»). Leu-o também duas vezes e ficou preso de um deslumbramento que o impediu de ler outros autores nesse mesmo ano.

    Depois de o ler fiquei sem conseguir escrever uma linha que fosse. É difícil escrever (falar) sobre um romance tão extraordinário. 

    O livro inicia-se com a viagem de Juan Preciado até Comala para visitar o seu pai e, desta forma, cumprir o último desejo da sua mãe, Dolores: 

    «- Não lhe vás pedir nada. Exige-lhe o que nos pertence. O que me devia ter dado e nunca deu…. O esquecimento a que nos votou, meu filho, cobra-lho caro.»

    A mãe descreve Comala como o lugar que amou: «Sentirás que, lá, uma pessoa gostaria de viver para sempre. O amanhecer; a manhã, o meio-dia e a noite, sempre os mesmos; mas com a diferença do ar. Lá, onde o ar muda a cor das coisas; onde a vida corre como se fosse um murmúrio; como se fosse um puro murmúrio da vida…» (pg. 77)

    E o filho parte para cumprir a promessa: «Agora venho eu em vez dela. Trago os olhos com que ela viu estas coisas, porque me deu os seus olhos para ver.» Mas o que encontrou foi muito diferente daquilo que a mãe lhe descreveu.

    Faz parte do caminho com um almocreve, Abundio, também ele filho de Pedro Páramo, que descreve  como «um rancor vivo». Quando Juan chega a Comala descobre uma aldeia sem ruídos. A história prossegue, sem ordem cronológica, através da voz de diferentes personagens, que se vão sobrepondo. Descobrimos depois que já morreram, mas, através dos diálogos com Juan ou entre si, vão contando a sua história e, sobretudo, a história de Pedro Páramo, que se mistura com a história da aldeia. Pedro, depois da morte do seu pai, pede a mão de Dolores em casamento, para evitar pagar o que lhe deve, de seguida manda derrubar vedações que delimitavam as suas propriedades e afirma que a «lei de agora em diante será feita por nós.» (pg. 58) De forma que as terras de Comala ficam todas nas mãos de Pedro Páramo

    Na procura do pai e da terra que a mãe amava, o filho, Juan Preciado, vai encontrar uma aldeia habitada por almas, «um verdadeiro vagabundear de gente que morreu sem perdão e que não o conseguirá de forma alguma (…)» (pg. 71) e em que são visíveis as marcas do poder absoluto do pai e do único filho que reconheceu, Miguel. Uma terra em que tudo se dá, «mas em que tudo o que se dá é ácido.» (pg.92)  As mulheres são usadas e abusadas por ambos, pai e filho, excepto Susana, a quem Pedro amou e que morreu louca. Depois da morte de Susana, Pedro Páramo passou o resto dos anos «enterrado num cadeirão, olhando para o caminho por onde a tinham levado para o cemitério.» (pg. 100)

      Os mortos falam, não só sobre quando estavam vivos, mas também como mortos:

    «Tenta pensar em coisas agradáveis porque vamos estar muito tempo enterrados.» (pg. 81) 

    «O que se passa com estes mortos velhos é que quando lhes chega a humidade começam a revolver-se. E acordam.» (pg. 99)

    É a mãe de Juan Preciado que lhe anuncia, já em Comala, que mataram o pai, Pedro Páramo. E o filho pergunta:

    «E a ti, mãe, quem te matou?» (pg. 42)

    O livro acaba com a morte de Pedro Páramo, mas sem que o tivessem matado: «Alguns passos depois, caiu, suplicando por dentro; mas sem dizer uma só palavra. Deu um golpe seco contra a terra e foi-se desmoronando como se fosse um montão de pedras.»

    A escrita é poética, musical:

    «Ouvia, de vez em quando, o som das palavras e notava a diferença. Porque as palavras que ouvira até então, só então o soube, não tinham qualquer som, não soavam; sentiam-se; mas sem som, como as que se ouvem nos sonhos.» (pg. 66)

    «O céu estava cheio de estrelas gordas, inchadas de tanta noite. A Lua saíra durante algum tempo e partira logo a seguir. Era uma dessas luas tristes que ninguém olha, de que ninguém faz caso. Ali esteve, algum tempo, desfigurada, sem dar luz alguma, e depois foi esconder-se atrás dos cerros.» (pg. 127)

    Pedro Páramo é o único romance do autor mexicano Juan Rulfo, publicado pela primeira vez em 1955. Teve duas traduções para português e diversas edições e reedições. Foi adaptado ao cinema quatro vezes. E eu surpreendo-me por nunca ter antes ouvido falar de Juan Rulfo e de Pedro Páramo, embora me tenha permitido ter o prazer de o ler, pela primeira (e segunda) vez apenas agora.

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