Uma abóbora gila e Os Quatro Ventos, Kristin Hannah (Bertrand Editora)

 

    Faz agora um ano mudámo-nos temporariamente para a casa onde um amigo vive, porque a nossa casa estava em obras. A casa, onde ficámos  durante um mês e meio, ocupa o rés do chão direito de uma moradia inserida num grande jardim, em Paço de Arcos. No andar de cima moravam os proprietários, o casal, no lado direito e, do outro lado, uma das filhas.  Ao lado da casa, uma moradia de dois andares, há uma pequena casa onde então residia um nonagenário, e que era simultaneamente arrecadação de ferro velho que ele transportava diariamente numa carrinha branca, velha e barulhenta. Ele não ouvia o barulho da carrinha, como também não me ouvia quando o cumprimentava ou quando me oferecia para fechar o portão. No jardim, nas traseiras da casa, há uma outra casa que serve de arrecadação.

    Durante anos passei pelo portão daquela casa sem perceber o espaço que lá havia e sem conhecer as pessoas que ali moravam. Gatos circulam livre e desdenhosamente pelo jardim. De manhã, quando abria a porta ou espreitava por uma das janelas, cujo topo desenhava um meio círculo, via três ou quatro fracas, também conhecidas por galinhas pintadas, que fugiam mal me viam. Eram de uma casa vizinha, mas, sem cerimónia, saltavam o muro e passeavam pelos jardins vizinhos.

    Ao fundo do jardim havia algumas colmeias. Aos fins de semana encontrava o dono da casa a limpar as grelhas das colmeias porque, apesar de não terem abelhas, estava com esperança que regressassem. Por todo o lado cresciam abóboras gila. Não sabiam bem como tinham decidido nascer e crescer ali. Talvez alguém tivesse atirado algumas sementes. Mas o que é certo, é que cresciam a olhos vistos. Quando as obras acabaram e me preparava para regressar a casa, as abóboras tinham sido apanhadas e estavam em cima de um muro. Mais de 10 abóboras perfeitamente alinhadas, verdes e bojudas. Apesar de termos declinado várias vezes a oferta, no último dia, apareceram com uma abóbora para levarmos connosco. Não pudemos recusar.

    Regressámos à nossa casa, que estava num caos total, com as malas que tínhamos levado e uma abóbora que pesava mais do que os móveis que tivemos de arrastar de novo para os seus lugares. Deixámos a abóbora na varanda durante alguns dias, o tempo de arrumar e limpar a casa.

    Arrumada a casa, comecei a procurar receitas com abóbora gila. Hesitei, tantos eram os passos, mas, depois, decidi fazer o que me parecia ser a receita mais simples, começando por atirar a abóbora ao chão para parti-la. Depois de verificar que a estrutura do prédio e, sobretudo, a minha varanda, se mantinham intactas segui os restantes passos da receita. Fiquei com 4 frascos de doce de abóbora gila e demorei quase um ano a abrir um frasco para fazer um bolo. Os outros frascos aguardam, mas sempre que os vejo, lembro-me da forma como fomos simpaticamente acolhidos e daquele espaço maravilhoso e tão bem escondido.

    De lá também trouxe um livro “Os Quatro Ventos” de Kristin Hannah. Nunca tinha ouvido falar desta autora, que já tem muitos livros editados entre nós. A ação decorre no período da grande depressão, no início dos anos trinta do século passado, nos EUA. Nesse período, uma parte do território foi atingida por uma seca severa e ventos fortes e secos que traziam pó e que afectavam a saúde das pessoas e destruíam as culturas.

    Para salvar a vida do filho, Elsa Martinelli, que vivia com os sogros e os seus filhos, decide partir para a Califórnia em busca de uma vida melhor. Mas os tempos que se seguem são de grande dureza, fome e discriminação. Eles são os Oakies – assim designados porque originários de Oklahoma -, também tratados no romance de John Steinbeck “As vinhas da Ira”, publicado em 1939. A diferença é que a protagonista é uma mulher e é originária de uma família que até então não tinha sentido a pobreza, nem a fome. Apesar da discriminação que sofrem, vão encontrando aqui e ali focos de solidariedade e de grande humanidade. Elsa termina por assumir a direção de um movimento grevista pagando a audácia com a vida.

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