Nós matámos o Cão-Tinhoso, Luís Bernardo Honwana


  
   O que fazer quando perdemos o livro que estamos a ler?
    Estive há um mês em Maputo e fui a algumas livrarias à procura de livros da Paulina Chiziane. Tinha falado desta autora  a duas colegas brasileiras que ficaram interessadas, mas não conseguimos encontrar nenhum livro porque, segundo nos disseram, tinham muita procura e esgotavam rapidamente.
    Procurei por outros autores moçambicanos e falaram-me de Luís Bernardo Honwana, que há mais de 50 anos escreveu o livro Nós matámos o Cão-Tinhoso e que agora publicou um novo livro A velha casa de madeira e de zinco. Lembrava-me de ter ouvido falar do primeiro livro dele embora nunca o tivesse lido e decidi comprá-lo. Dos sete contos, li apenas o primeiro que dá justamente o nome ao livro e depois perdi-o. Sei que há edições portuguesas e que não deve ser difícil encontrá-lo, até porque integra o Plano Nacional de Leitura. Mas eu queria mesmo era aquele livro, aquela edição.

    É fácil perceber a perenidade ou, pelo menos, a longevidade deste livro. A edição moçambicana tinha um prefácio e uma lista extensa de bibliografia publicada sobre o livro, em particular sobre este conto. Depois de concluir a leitura li alguns artigos publicados sobre esta obra e o seu autor. A história é simples: o narrador, Ginho, conta como mataram o cão tinhoso. O cão que, para além de tinhoso, era velho, decrépito e fazia barulho com os ossos quando andava, tinha olhos azuis. Já ninguém - nem mesmo os outros cães - lhe ligava, apenas Isaura, que não era muito boa da cabeça, o protegia e o alimentava. Um dia o administrador fala com o veterinário para que o mande abater e ele diz a um grupo de miúdos para matarem o cão tinhoso. Há quem veja no cão tinhoso o país colonizador, Portugal, que no final é abatido por todos. Tenho alguma dificuldade em partilhar este entendimento. O cão tinhoso é quanto muito o país colonizado, Moçambique. Então sofrido e maltratado.
   Mas eu penso que o mais significativo no livro é a relação entre os jovens, o domínio de Quim sobre os demais, que resulta das respetivas raças:
 (— Deixa lá, é preto e basta, deixa lá... Bem, malta, o cão não sai daqui e a gente vai cada um para a sua casa buscar as armas e depois levamo-lo para a mata atrás do matadouro e damos cabo dele, óquêi?
(...) 
— Fora daqui, negralhada, fora daqui cabroada escura!Isso era o teu avô, meu labreguinho ordinário! Nunca te contaram isso lá na tua aldeia? Seu maguerre!...
— Monhé! Filho de um corno!
— Eu estou com medo — custou-me dizer aquilo porque mais ninguém estava com medo, mas foi melhor assim — Eu estou com medo, Quim...
— Eh, malta, vocês nunca me viram a matar um preto?)
    E por fim, o mais impressionante, é o facto de Quim, o líder, forçar o Ginho, que não quer matar o cão, a dar o primeiro tiro. 
    O livro foi escrito na prisão, mas surpreende sobretudo que tenha sido escrito por alguém muito jovem porque consegue transmitir a imensa angústia de Ginho e de Isaura e o pavor do cão tinhoso perante a morte e o desdém dos restantes perante o medo e  tristeza.

(A capa do livro que perdi era diferente desta. Se alguém o encontrar, espero que o aprecie.)

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