Os Buddenbrook, Thomas Mann (D. Quixote)


    No posfácio da edição portuguesa, Gilda Lopes Encarnação, que traduziu o livro e assina o posfácio, pergunta “Que razões poderão levar um leitor do século XXI a interessar-se por os Buddenbrook, cento e dez anos decorridos sobre a data da sua primeira publicação? Que razões poderão levar um leitor português a interessar-se pela história de uma família burguesa do Norte da Alemanha, pela ascensão e declínio de uma casa comercial fundada numa antiga cidade hanseática, pelas venturas e desventuras de quatro gerações ao longo de quase meio século?
    Feitas estas perguntas, o posfácio não avança qualquer resposta, limitando-se a sintetizar o livro. Mas estas perguntas impõem-se naturalmente.
     A minha primeira resposta é a da qualidade da narrativa e da forma como ciclicamente o autor prende o leitor anunciando e antecipando rupturas ou mudanças significativa na vida dos protagonistas (“Aproximava-se o ano de 1859 do seu fim, quando algo de terrível aconteceu…”).
    O fascínio pelas narrativas que percorrem várias gerações também não foi alheio à leitura deste livro. E porque não referir a identificação que senti com o livro "Correcções” de Jonatahan Frazen, centrado na vida de uma família pequeno-burguesa e que decorre no final do século XX, nos EUA? Por aqui também passam os choques geracionais, os problemas de comunicação, as expectativas e as frustrações familiares, a forma como estas expectativas pesam sobre as gerações vindouras e uns e outros tentam manter as aparências, sobretudo para o exterior. Apesar desta simetria, os dois livros estão separados por um século e decorrem em continentes distintos.
    Outra razão decorre do conflito interior que vive Thomas Buddenbrook, dividido entre o dever, a lealdade à família e à empresa que ostenta o nome da família e a desilusão, a angústia existencial  e o vazio que sente e para o qual parece sentir a resposta na leitura de um livro de Schopenhauer ("Tinha a impressão de que todo o seu ser se havia elevado de modo surpreendente e que se apoderara dele um enlevo profundo e obscuro"). Finalmente, o livro permite-nos perceber a mentalidade alemã, como foi forjada e como contrasta com a mentalidade e a vivência, designadamente dos países meridionais.
    Embora nos seja contada a história de quatro gerações dos Buddenbrook, o livro assenta sobretudo na terceira geração que vive o apogeu e antecipa a queda e o fim. Este fim não é apenas o da empresa que representava a família e corporizava a sua importância e visibilidade, mas o fim real da família através da morte prematura do único herdeiro que ostentava o apelido da família. Este fim é anunciado pelo próprio , que um dia encontra o livro da família onde o pai e anteriormente o seu avô e bisavô haviam registado todos os eventos familiares, cruzando os dados familiares e os da empresa, e desenha uma linha porque achava que depois dele não havia mais nada.
    Nas diversas críticas e recensões do livro que li, Thomas Mann é identificado quer com Thomas, o protagonista quer com Hanno,  seu filho, mas talvez seja um pouco dos dois. De realçar a falta de densidade das figuras feminina, sobretudo de Tony, irmã de Thomas, que respeitando imensamente a família e prezando o seu estatuto social, se divorcia duas vezes e arrasta a filha para um casamento também desastroso. Embora muito presente na narrativa, terminamos por praticamente desconhecer o que sente e deseja e, por vezes, quando exterioriza determinadas emoções, é descrita como se se protagonizasse um ato teatral. 
    Embora seja um livro denso e difícil, sobretudo no início,  compele-nos à leitura e ao desfecho  que quase antecipamos.

***


Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)