A coisa à volta do teu pescoço, Chimamanda Ngozi Adichie (D. Quixote)

   
     Os livros da Chimamanda são um bilhete seguro para uma viagem pelas suas histórias, personagens e paisagens. Até agora nunca me desiludiram. Este livro é composto por 12 histórias, passadas na Nigéria, África do Sul e nos EUA. Mas mesmo aquelas cuja ação decorre fora da Nigéria são nigerianas, pelas vivências, personagens e pela própria história. 
    Cela Um, a primeira história, relata a prisão de um jovem, filho de professores universitários, que é preso na sequência de desacatos provocados por cultos. E se ficamos chocados com a descrição da prisão não ficamos menos pela forma como os pais antes tinham lidado com os antecedentes criminais do filho que, na nas condições terríveis da prisão parece amadurecer. 
    Imitação conta a história de uma mulher nigeriana, Nkem, residente com os dois filhos nos EUA. O marido vive e trabalha na Nigéria e visita-a apenas no Verão. Quando Nkem sabe que o marido levou uma namorada para a casa de ambos na Nigéria, decide que irá regressar. Uma outra nigeriana, na mesma situação, diz-lhe que os maridos preferem viver na Nigéria porque a América não reconhece os Grandes Homens. Ninguém lhes diz: - Senhor! Senhor! - na América. Ninguém se apressa a limpar o pó à cadeira antes de eles se sentarem.
    Uma  experiência privada relata a história de uma jovem, estudante universitária, que se esconde numa loja com uma mulher de uma etnia diferente para escaparem aos motins e como nesse espaço abandonado e vazio trocam confidências e se protegem mutuamente.
    Fantasmas fala de sobreviventes da guerra do Biafra, dois homens James Nwoye e Ikenna Okoro, que se encontram à entrada da universidade onde leccionaram. O fantasma não é Ikenna que todos julgavam morto, mas a mulher de James, Ebere, que o visita à noite e é por isso que ele deixou de ir à Igreja: "porque já não tinha incertezas. São as nossas dúvidas em relação à vida depois da morte que nos levam à religião".
    Na segunda-feira da semana anterior, Kamara, nigeriana, recém-chegada aos EUA para se reunir com o marido, começa a trabalhar, a tomar conta de uma criança. Estranha o marido por quem se apaixonara na universidade, mas os anos que ele passou nos EUA antes de a chamar, tornaram-nos estranhos. Quando conhece a mãe da criança, uma artista, sente-se especial pela atenção quase hipnótica que ela lhe dedica, mas cedo se apercebe que não é exclusiva.
    Jumping Monkey Hill é o nome da estância turística que acolhe a Oficina de Escrita Criativa de Escritores Africanos. Ujunwa, ecritora nigeriana, participa nesta Oficina, organizada por um casal inglês, com ideias feitas sobre África. Ujunwa começa por inventar uma linhagem real - na história que inventa menciona que um dos seus antepassados tinha capturado um mercador português no século XVII e o tinha mantido, bem tratado, numa jaula real. Curiosamente, os participantes, mesmo os africanos, não acreditam na história que escreve e que além de verdadeira é autobiográfica.
    A coisa à volta do pescoço, que dá o nome ao livro, fala de uma jovem nigeriana que consegue o visto para os EUA para onde parte cheia de ilusões. Depois de ter fugido da casa dos tios onde inicialmente ficou instalada, começa a trabalhar num pequeno restaurante, onde conhece um jovem americano que se apaixona por ela, e se a coisa à volta do pescoço dela antes quase a sufocava antes de adormecer, começa então a alargar-se e a desfazer-se. Mas ela sabe que a diferença entre ambos é intransponível e quando recebe a carta a dizer que o pai morreu regressa à Nigéria.Estranhamente, este conto é narrado na segunda pessoa do singular o que não é muito comum, e confere ao conto um toque quase profético.
    A Embaixada americana relata a história de uma mulher cujo filho - uma criança de 4 anos - foi morto quando os soldados procuravam o marido que conseguira fugir. Aguarda pela entrevista para obter o visto.para os EUA e leva-nos a interrogar sobre a coragem. O marido dela é considerado um homem corajoso por denunciar o regime mas ela considerava-o de um egoísmo exagerado. E recorda a fuga dele e a chegada dos soldados e a morte do menino. Termina por abandonar a Embaixada porque recusa a nova vida que implicaria o visto, porque nessa nova vida perderia a sua identidade, que se mantivera mesmo com o menino morto: era a sua mãe.
    O Estremecimento conta a história de Ukamaka que vive em Princeton e que receia que o seu ex namorado tenha morrido num avião que se despenhou na Nigéria. Nesse dia bate-lhe à porta Chinedu, também nigeriano, cujo visto expirou e que é profundamente religioso e quando ele reza, ela sente um estremecimento que ele interpreta como um sinal de Deus. Entre ambos, apesar das diferenças, vai-se estabelecendo uma cumplicidade que a leva a procurá-lo quando  ele deixa de aparecer.
    Casamenteiros retrata a situação de um casal nigeriano cujo casamento foi arranjado e que parecia perfeito. Ele era médico e residente nos EUA. Quando ela chegou aos EUA e à sua nova casa percebeu quão distante estava do que tinha sonhado. Ele tenta americanizá-la, nas palavras, nos hábitos, na comida, mas a gota de água surge quando ela descobre que ele se tinha casado previamente com uma americana para obter o visto,
    Amanhã é demasiado tarde arrepiou-me. É um conto sobre a culpa verdadeira e profunda carregada desde a infância. De novo aparece a questão da preferência pelos filhos e pelos filhos dos filhos em detrimento das filhas e dos filhos das filhas e os efeitos devastadores desta preferência.
    A historiadora obstinada é, para mim, o momento alto deste livro. As personagens femininas são inesquecíveis, Nwamgba e a sua neta, Grace. De tal forma acreditei nelas que andei à procura do livro que Grace teria escrito "Pacifying with Bullets: A reclaimed History of Southern Nigeria" em vão. Talvez seja melhor assim e que sejam personagens de ficção

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