De olhos vendados, Siri Hustvedt (Edições Asa)

    Este romance foi-me recomendado pelo escritor João Tordo durante um curso de escrita de Romance que fiz no início do ano, por ter, segundo o mesmo, uma linguagem semelhante à que uso quando escrevo. De facto, identifiquei-me com algumas passagens e creio que poderia tê-las escrito (se fosse escritora, claro) de forma não muito distinta.
    O livro em si é estranho. Passei metade do livro a tentar encontrar o fio condutor da história e a ligação do enredo ao título. Perto do fim consegui efetivamente fazer estas ligações, mas quando terminei o livro dei por mim a pensar qual teria sido o objetivo. Não é uma pergunta que me costume fazer enquanto ou após ler algum livro. Ou aprecio ou não aprecio o que li, quer pela narrativa, pelo enredo ou, por vezes, só pela escrita. Se quando comecei o livro estava muitíssimo curiosa, quando terminei o primeiro capítulo (40 páginas) senti-me vítima de uma partida:

    Não pensei que a história terminasse aqui. (....) Esperei durante meses, mas nunca tive notícias dele. Quando o telefone tocava, era sempre outra pessoa.

     Essa primeira história, de Mr. Morning, termina efetivamente com o primeiro capítulo; e destoa tanto do resto da narrativa que mais poderia ter sido um conto escrito à parte.
    Ao passar para o segundo capítulo, fiquei novamente cativada. Gostei muito desse capítulo. Mas, mais uma vez, poderia bem ter sido um conto. Na verdade, acabei por sentir isto ao longo dos capítulos (ou cinco partes, vá) que constituem o romance. Ainda assim, há um certo grau de ligação entre eles, a partir do segundo. Mas é uma narrativa confusa. Com sentido, em cada uma das partes, mas globalmente confusa.
    A história em si, ou aquilo que para mim teria feito sentido como história, começa apenas no quarto capítulo, quando a protagonista e narradora, Iris, aperta a mão ao professor que, mais tarde se tornará seu amante. Juntos traduzem um livro, "O Brutamontes", do alemão para o inglês e esse livro acabará por afetar Iris de uma forma imprevisível e perturbadora. 

    A novela alemã que traduzimos juntos tornou-se o veículo de uma inflexão nas nossas relações. Estou convencida de que sem ela nada teria acontecido. Teríamos continuado como estávamos, professor e aluna, presos no formalismo dos nossos papéis respetivos. O Brutamontes veio alterar isso tudo, esbatendo as fronteiras convencionais e atenuando as nossas inibições. Os seus efeitos levaram muito tempo a manifestar-se, mas penso que foram profundos. Não pretendo responsabilizar uma obra de ficção pelo meu comportamento. Isso seria distorcer a verdade dos factos. Digo é que a história foi uma porta para um lugar diferente, e que acabámos por resolver abrir essa porta e transpor o limiar.

    O episódio dos olhos vendados também acaba por recair sobre o efeito desse livro tanto nela como no professor, Michael, mas pareceu-me tão secundário que para mim faria mais sentido se o título fosse o mesmo do do livro em que eles trabalham. Mais, acho que essa parte final do romance ainda tinha muito para explorar...

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