Berta Isla, Javier Marías (Alfaguara)

Opinião do livro de Javier Marias, Berta Isla, da editora Alfaguara, no blogue Clube de Leituras
    Andava cheia de vontade de ler este livro, mesmo antes do Diogo mo oferecer. Mais uma vez ele acertou em cheio. Era a capa - lindíssima - e o resumo na contracapa que me atraíam:
    «Berta Isla é a história de uma mulher que espera e se transforma. A história de um amor imperfeito, como o são todos.»
    E se o início não desmereceu a expetativa, confesso que a meio do livro fui arrastando a leitura, até aos últimos capítulos que, de novo, me entusiasmaram, mas aqui mais pela história que pela escrita.
    É  uma versão dos tempos modernos do Coronel Chabert do Balzac, livro que, curiosamente, ele também refere em Os enamoramentos. Mas em Berta Isla, ao contrário de outras adaptações, a maior parte do livro é dedicado ao período que antecede o regresso, ou seja, ao período do afastamento, da dúvida, do desconhecimento do destino do outro.
    A sensação que tive é que a escrita é muito mais interessante quando o tom é intimista. Nos capítulos iniciais e finais e, muito especialmente, logo a abrir o livro:

     «Durante algum tempo não teve a certeza se o seu marido era seu marido, de maneira semelhante àquela quando estamos meio a dormir meio acordados e não sabemos se estamos a pensar ou a sonhar, se ainda somos senhores da nossa mente ou a perdemos por esgotamento.»

    Depois deste início, o livro viaja até ao passado, até à altura em que Berta Isla conheceu Tomás Nevinson que virá a ser seu marido. Mas é esta parte inicial que é mágica, em que os acompanhamos e conhecemos, no presente e no passado. Curiosamente o livro é quase todo narrado na terceira pessoa, por um narrador omnisciente, com execeção de alguns capítulos em que é a voz de Berta que ouvimos:
 
    «Durante algum tempo não tive a certeza se o meu marido era meu marido, ou talvez tivesse precisado de não o estar e fingi, portanto, não o estar.» (pg 481)

   O que me surpreendeu quando acabei de o ler foi a resignação com que os dois viveram as respetivas vidas, sendo que, ao contrário do que é dito, não há qualquer transformação. Apenas aceitação.
    A dada altura há uma reflexão sobre o narrador vs o autor que não hesitei em roubar:

    «Falo do narrador, atenção, não do autor, que está metido na sua casa e não responde por aquilo que o seu narrador refere; nem sequer pode explicar porque este sabe tanto quanto sabe. Dito por outras palavras, o narrador na terceira pessoa, omnisciente, é uma convenção que se aceita, e quem abre um romance não costuma perguntar-lhe porquê nem para que toma a palavra, e não a larga durante centenas de páginas, essa voz de homem invisível, essa voz autónoma e exterior que não vem de sítio nenhum.»

    De Javier Mariás li Os enamoramentos, de que já falei, e o belíssimo Coração tão branco.

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