Hiroshima mon amour, Marguerite Duras (Folio)

    Em agosto de 1945 os EUA lançaram uma bomba atómica em Hiroshima e poucos dias depois em Nagasaki. Calcula-se que morreram entre 150 a 240 mil pessoas, metade das quais logo nos primeiros dias. Nos  meses seguintes, as pessoas morreram queimadas ou devido à radiação. 
    Em 1959, Alain Resnais dirigiu o filme Hiroshima mon amour, com guião de Marguerite Duras, numa produção franco-japonesa. Li o livro e vi o filme há muitos anos. Reli-o agora antes de ir ver a interpretação de Fanny Ardant de Riva (elle), a personagem feminina de Hiroshima mon amour. Sozinha no palco, escuro, sóbrio - uma cadeira apenas - em diálogo com uma personagem masculina, de que se ouve somente a voz..
    É surpreendente descobrir o que a memória guarda e perceber no início de algumas frases que as sabíamos de cor - Tu n'as rien vu à Hiroshima. Rien.
    A historia decorre em 1957. Uma mulher francesa vai a Hiroshima, por uns dias, participar num filme sobre a paz e conhece um japonês por quem se apaixona. São ambos casados e em nenhum momento colocam em causa os respetivos casamentos. Durante a II Guerra Mundial, ela, que vivia em Nevers, apaixonou-se por um oficial alemão que é morto antes da libertação de França. Por causa dessa paixão interdita, os cabelos dela são rapados e os pais escondem-na na cave de onde sairá algum tempo depois para ir para Paris.
    Se a paixão vivida em Hiroshima é de alguma forma o contraponto ou a conclusão da vivida na sua juventude, é, por outro lado, o pretexto para o diálogo entre os dois amantes sobre a impossibilidade de alguém que não vivenciou uma experiência tão dramática como a que foi vivida em Hiroshima saber de facto o que se passou. Pensar que visitar os museus ou os hospitais ou  ver as imagens é ver tudo, é permanentemente desmentido por ele. Ele, de que pouco sabemos, nem sequer se lá estava então, limita-se a contrariá-la sempre que ela afirma que viu tudo em Hiroshima. Que sabe tudo. Mesmo quando ela diz que conhece o esquecimento:
     "(...) Como tu, sou dotada de memória. Eu conheço o esquecimento."
    Ele nada diz, ao contrário dela que fala do que viu em Hiroshima e do que viveu em Nevers. 

    No diálogo, quase monólogo, há momentos lindíssimos:
     "(...) Desejo não ter mais pátria. Aos meus filhos ensinarei  a maldade e a indiferença, a inteligência e o amor da pátria dos outros até à morte." (Je désire ne plus avoir de patrie. A mes enfants j'enseignerai la mechanceté et l'indifférence, l'intelligence et l'amour de la patrie des autres jusqu'à la mort).
    No final, ela diz-lhe que o nome dele é Hiroshima e ele confirma e diz que o dela é Nevers - Ne-vers-en-Fran-ce. Cada um deles traz consigo o horror da guerra que viveu.
    Um texto belíssimo, importante e sempre atual.

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