La petite danseuse de quatorze ans, Camille Laurens (folio)

    Durante muitos anos, no eixo que vai de Santos ao Largo do Rato, não havia qualquer livraria, com exceção da Livraria Parlamentar, situada na fachada lateral do Palácio de São Bento, contudo, a pouco e pouco este cenário foi-se alterando. Há cerca de dez anos abriu portas a livraria Palavra do Viajante, que vale a pena visitar e voltar. E visitar, sobretudo, antes de cada viagem, à procura de um guia ou de um livro em que o nosso próximo destino sirva de cenário. Não vendem livros on line porque apostam no contacto pessoal. Depois apareceu a Distopia, a Snob um pouco mais acima e, mais recentemente, a Stuff out dedicada à venda de livros em 2.ª mão.
    Acho curioso este reaparecimento de livrarias independentes, com perfis distintos, geograficamente próximas e não muito distantes de outras livrarias, de maior dimensão, também inauguradas recentemente, situadas na Rua da Escola Politécnica. Reencontro o prazer das montras, da proximidade com o livreiro e também com o livro, longe do massacre das estantes com o ranking dos livros mais vendidos.
    Na Stuff out encontrei este livro, La petite danseuse de quatorze ans. Antes de mim pertenceu a uma Emily. Imagino-a também apaixonada pela dança e pelos desenhos e pinturas de Degas. Da Autora, Camille Laurens, li Naqueles braços, de que gostei muito. Foi por isso fácil decidir trazer o livro sobre a pequena bailarina comigo. Não se trata de um romance e poucas vezes a Autora arrisca e divaga ou inventa pormenores da vida desta Marie. Dela ficamos a saber que se chamava Marie Geneviève Van Goethem e era de origem belga. Os pais emigraram para França para fugir à miséria. As três filhas entram para a Ópera, como "ratos" (rats), onde trabalham dez ou doze horas por dia, 6 dias por semana. Nessa altura, em França, como noutros países europeu, ainda não havia ensino obrigatório, e mesmo quando entra em vigor, exceciona as pequenas bailarinas da Ópera. Muitas prostituíam-se e, nalguns casos, posavam para artistas, como Degas. A grande maioria não passará de "ratos" da Ópera, embora algumas, raras, consigam ascender a bailarina ou singrar como professoras, como foi o caso da irmã mais nova de Marie Goethem.
    Depois de ler este livro, mudei a forma como via esta estátua e as pinturas de Degas, em geral. Segundo Camille Laurens, o artista foi fortemente influenciado pelas teorias da frenologia e da antropologia criminal, pelo que, ao ter acentuado determinados aspetos da face da  pequena bailarina, lhe deu características que a identificavam como criminosa ou depravada. Analisando os estudos preliminares, conclui que ele alterou a face da pequena bailarina para nela inscrever o estigma de um primitivismo selvagem (...) ou de uma degenerescência precoce. Isto explicará a reação negativa generalizada que a estátua suscitará em 1881, no Salão de Independentes de Paris, quando é exposta pela primeira e única vez durante a vida de Degas. Surpreende também pelos materiais, pois é feita em cera, com cabelo verdadeiro e vestida com um tutu em tule e sapatilhas. Depois da exposição, a pequena bailarina permanecerá no estúdio de Degas e só após a sua morte são feitos alguns exemplares em bronze que se encontram em diversos museus.
     Apesar da curiosidade com que li o livro, pareceu-me que teria maior impacto como guião de um documentário, porque em muitos momentos tive de parar para procurar outros quadros ou estátuas de que Camille Laurens fala, em particular o estudo intitulado "Quatro fisionomias de criminosos" que não consegui encontrar. Ficam também muitas perguntas por responder, sobretudo sobre a intenção de Edgar Degas em transmutar a face da pequena bailarina.

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