A Caixa de Correio de Nossa Senhora, António Marujo (Temas e Debates)

  Nunca me tinha ocorrido que as pessoas escrevessem a Nossa Senhora de Fátima, embora seja natural que os crentes se lhe dirijam por escrito e não somente através de orações ditas ou murmuradas. Mas, no designado correio de Nossa Senhora, que integra cerca de oito milhões de mensagens, o que mais me surpreende é o facto de este ser cuidadosamente guardado, arquivado e tratado no Santuário.
    Estas mensagens, estas vozes, atravessam quase todo o século XX até aos nossos dias, e por isso refletem os medos e os receios que ensombraram – e ensombram ainda - os crentes, portugueses na sua maioria, durante estes pouco mais de 100 anos. Como diz o autor, a abrir o livro, «desde o início, o tema da guerra inscreve-se vigorosamente no fenómeno: logo no primeiro diálogo contado pelos videntes, uma das perguntas é: "Quando acaba a guerra?"»
   António Marujo propõe-se por isso a analisar e recensear a correspondência relacionada com o tema da guerra, as duas guerras mundiais, a guerra civil de Espanha e a guerra colonial – e em diálogo com especialista ou com as pessoas, autoras ou mencionadas nessa correspondência, perceber como a guerra, sobretudo a colonial era percecionada pelos crentes.
    Cada capítulo tem como título o excerto de uma mensagem, que é a porta de entrada para a análise de diferentes mensagens, que nos dão, de alguma forma, o retrato dos seus autores e através deles, da sociedade da época e das preocupações que a atravessavam. Os dois capítulos mais extensos (6 e 7) são dedicados à guerra colonial:

    «Minha Mãe, sabeis que ando aflita. A guerra está em Portugal.» A Guerra Colonial no Correio de Nossa Senhora.

    «Acabai com a guerra no Mundo, especialmente na nossa Pátria.» Olhares sobre a Guerra Colonial e a luta pela paz em Fátima.

    No caso da Guerra Colonial, os remetentes tanto são os soldados, como as mães, as irmãs, as noivas ou as madrinhas de guerra, raramente os pais ou os irmãos. Se bem que Fátima tenha servido - como refere António Matos Ferreira, citado n'A Caixa de Correio de Nossa Senhora - para alimentar o nacionalismo colonial, na correspondência é visível ao longo do tempo que durou a guerra (13 anos), o cansaço, o medo e o sentimento de inutilidade da guerra. A evolução da correspondência é similar à identificada por Joana Pontes em Sinais de Vida, cartas da guerra 1961-1974.
    Depois de ler A Caixa de Correio de Nossa Senhora, e admitindo que atualmente se volte a falar na guerra, interrogo-me quais os temas que dominam esta correspondência, desde o fim da Guerra Colonial, e se o número de mensagens terá diminuído entretanto.

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