O Colégio, Cristina Almeida Serôdio (D. Quixote)
Comecei por oferecer este livro, O Colégio, antes de o ler, e sobre ele ouvi as mais diferentes opiniões. Não sobre a escrita, mas sobre o que conta: a vida no colégio interno, no qual a Autora, Cristina Almeida Serôdio, entrou alguns anos antes do 25 de abril e onde permaneceu durante sete anos. Entre as antigas alunas com quem falei, há quem não se reconheça nas histórias que conta e no ambiente que descreve, e há quem, pelo contrário, se identifique plenamente.
Entrei no colégio alguns anos depois da Cristina, na véspera do 25 de abril, mas consegui rever-me em quase tudo o que conta. Como se o livro tivesse acordado memórias que pensava não existirem, incluindo espaços e cheiros, desde o refeitório, às aulas, aos livros lidos clandestinamente, até à comida. À imensa amizade que se constrói naquela permanência contrariada durante sete anos. Amizade feita de laços tão fortes como os que se tecem entre irmãos, afinal vivemos muitos dias e noites juntas.
Entre as pequenas e grandes histórias que conta, recordo-me do 25 de abril, da rápida substituição, na festa do Colégio, do Tomás por militares, especialmente pelo Otelo Saraiva de Carvalho, das idas ao teatro, para assistirmos às primeiras peças do Jorge Silva Melo e do Luís Miguel Cintra, na Cornucópia, na expulsão do Norberto Barroca (era ele?) quando, convidado pela Manuela Machado, uma extraordinária professora da Arte de Dizer e de Teatro, declamou poemas considerados obscenos. Mas outras coisas que aparentemente não recordava, vieram-me à memória, intactas, trazidas ou ativadas pela leitura, como o pedido que semanalmente tínhamos de preencher para a saída ou as provas dos uniformes.
O livro está muito bem estruturado, capítulos curtos com as recordações
do Colégio, que se iniciam com excerto de regras ou de cartas que
recebia dos pais, separados por conversas que vai mantendo nos encontros
de antigas alunas em que participa. Achei curioso que, na nota inicial, a Autora se aperceba que, ao escrever, a «história que a si própria contou se afasta do que à pressa decidiu e por muitos anos observou com pena e lágrimas até», mas a memória tem destas coisas. Como escreveu Primo Levi, em Os que sucumbem e os que se salvam «As recordações que jazem dentro de nós não são gravadas em pedra, não só têm tendência para se apagarem com os anos, como também é frequente modificarem-se, ou inclusivamente, aumentarem, incorporando delineamentos estranhos.»
Tal como a Cristina, decidi ficar depois de ter ganhado a batalha que travei com os meus pais e ter sido autorizada a sair. Prenderam-me as amizades mas também algumas das professoras, que nunca esquecerei, como a Laura Arminda, a Maria Ana Almendra, a Adelaide Amélia, a Manuela Machado...
Enquanto lia O Colégio pensava na distância que havia entre o nosso quotidiano, tantos anos passados, e a vida dos jovens estudantes de agora, mas essa distância já havia entre nós e os estudantes de então.
Não resisto a passar para aqui o texto que recebemos da Professora Laura Arminda, que nos deixou para ir dar aulas na Faculdade de Letras, e que é exemplar da relação única que tinha com as alunas:
Enquanto lia O Colégio pensava na distância que havia entre o nosso quotidiano, tantos anos passados, e a vida dos jovens estudantes de agora, mas essa distância já havia entre nós e os estudantes de então.
Não resisto a passar para aqui o texto que recebemos da Professora Laura Arminda, que nos deixou para ir dar aulas na Faculdade de Letras, e que é exemplar da relação única que tinha com as alunas:
Primavera de 1979
Queridas raparigas
No meio de uma agitação vertiginosa, em que se conquistam posições a cada momento, e as pessoas se experimentam ou se degladiam ferozmente, soube-me bem a vossa linguagem simples, a vossa afeição certa, que foi e será encontro.
Ao fim de longos meses, graça às vossas mensagens tão diferentes umas das outras, retomávamos o diálogo sobre a vida, a beleza, o sofrimento, a exaltação e a luta.
Recordo com nitidez cada uma de vós, a vossa presença individual e colectiva, como uma força.
Desculpem o meu silêncio que pode parecer estranho, mas que foi permanente evocação, e memórias fresas e luminosas.
E convosco chegava também o perfume lilás de arcos e colunelas, diluídos na penumbra doce das tardes românticas de Maio.
Por tudo o que vocês representam de autenticidade, pureza e encantamento da vida e perante ela
um apertadíssimo abraço
da Laura Arminda
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