A Casa das Tias, Cristina Almeida Serôdio (Teorema)

 

    É frequente gostar dos livros que leio, menos frequente é ler livros que me dão vontade de escrever. Foi o que aconteceu com A Casa das Tias.

    Confesso que embora tivesse gostado muito do outro livro da Cristina Serôdio, O Colégio, que me permitiu abrir gavetas onde se encontravam arrumadas memórias que pensava perdidas, não fiquei com vontade de as escrever, preferi mantê-las fechadas, apesar de agora dispor de uma chave para as abrir. De comum, nos dois livros, a belíssima escrita da Cristina.

    No caso d’A casa das Tias, a vontade com que fiquei de escrever pode resultar do facto de ter também uma família muito grande. E se duvido que todas as famílias felizes são parecidas umas com as outras, sei, por experiência, que todas as famílias grandes são diferentes das outras famílias, sejam grandes ou pequenas.

    A história da casa das Tias é contada porque M. – que é sempre assim designada-, que herda a casa onde cresceu o seu avô e os irmãos, pede a uma amiga que a escreva.  A casa fica em Constantim (terra que não conheço e de que nunca tinha ouvido falar), aldeia que se situa em Vila Real, e onde, até ao final da vida, ficaram a viver as duas irmãs, Francisca e Teresa, que permaneceram solteiras, porque assim decidiram num pacto que celebraram.  Os irmãos saem cedo de casa, uns para virem trabalhar para Lisboa, outros para estudarem.

   E a história de cada um destes irmãos, bem como das duas irmãs, é contada, como cada um de nós conta as histórias dos familiares que nos precederam, tios, avós ou mesmo de outras gerações anteriores. Sabemos as datas importantes das suas vidas, o que fizeram, o que estudaram e onde trabalharam, se se casaram e os filhos que tiveram. Depois conhecemos pequenos episódios, por vezes anedóticos, que vamos contando em ocasiões festivas e que passam de geração em geração.

    E é desta forma que vamos conhecendo os irmãos e as irmãs, como se folheássemos um álbum de fotografias, em que a propósito de cada um dos fotografados nos fosse contado o que fizeram e o que deles se recordam. Umas pinceladas apenas, nalguns casos reforçadas pela correspondência trocada entre eles. 

    Sempre que a amiga, a narradora, se afasta do que M. lhe conta e sabe, ela discorda ou, pelo contrário, diz que gosta, embora considere inverosímil, mantendo um diálogo entre as duas em paralelo com as histórias 

    Como pano de fundo, alguns acontecimentos como a Exposição do Mundo Português e a revolução do 25 de abril, vão-nos situando temporalmente, bem como excertos de livros de usos e costumes da época.

     Há uma sentida nostalgia pelo regresso à infância e aos dias passados na casa de Constantim, agora habitada por fantasmas e onde vieram parar as coisas “dos tios mortos, vindas das casas desfeitas de Lisboa.” (pg. 39) “M., A casa dali era a casa das tias, assim o dizíamos nós e a nossa mãe, no tempo em que o mundo parava nos eternos fins de Setembro da nossa infância feliz, cheia de mimos.” (pg. 181)

    E a ler A Casa das Tias, com frequência me recordei dos meus tios e avós, e da casa de Coimbra, em que também o tempo parava, na nossa infância feliz, cheia de mimos.

 

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