Elogio da Velhice, Hermann Hesse (Difel)

Elogio da Velhice
 

     Há livros que são para ler a partir de certa idade. Elogio da Velhice é um desses livros. Não adianta lê-lo quando somos jovens, porque não compreendemos nem sentimos o que Hermann Hesse escreve. Tinha-o comprado há vários anos e só agora, depois de o meu filho mais novo ter tentado ler e posto de lado, é que me decidi a lê-lo. E foi o momento certo.

    Elogio da Velhice intercala pequenos textos, reflexões, parábolas, com poemas. Os textos estão quase todos datados, ao contrário dos poemas, embora não estejam publicados por ordem cronológica, o primeiro data de 1920 e o último de 1959, quando Hesse contava, respetivamente, 43 e 82 anos. Em todos eles há ideias – muito bem escritas – que nos reconciliam com a passagem do tempo, com o envelhecimento, com a memória e com a morte, nossa e dos outros, que nos antecederam. A ideia que com a idade nos tornamos (será?) um bocadinho mais espertos e tolerantes. Gostei sobretudo da ideia constante nos textos de fusão com a natureza e de permanente transformação:

     “Na duração de um sopro da respiração sinto, mais profundamente do que alguma vez o sentira, a fugacidade da minha forma e sinto-me atraído para a metamorfose, para as pedras, para a terra, para o ramo da framboesa, para a raiz da árvore.”

     Mas em vez de falar sobre o livro, Elogio da Velhice, vou-me limitar a transcrever os excertos que fui sublinhando (perdi recentemente o sentimento de culpa por sublinhar frases de livros, com caneta, se for o que tiver à mão).

     “A idade só perde valor quando quer fingir ser juventude.”

     “Estar à altura dos padecimentos e da morte é a grande tarefa da velhice.”

     “(…) é necessária uma soma interminável de coisas vistas, experimentadas, pensadas, sentidas, sofridas, é necessária uma certa diluição dos instintos vitais, uma certa debilidade e proximidade da morte, para numa ínfima revelação da natureza sermos capazes de reconhecer a presença de Deus, de uma alma, de um segredo, a coincidência dos opostos, a grande unidade”.

     “Ser-se velho é uma tarefa tão bela e tão sagrada como ser-se jovem, aprender a morrer e morrer é uma função tão valiosa como qualquer outra – desde que seja cumprida com respeito pelo sentido e inviolabilidade de toda a vida.”

     “Destas dádivas, a que me é mais cara é a imensa riqueza em imagens que, no decurso de uma vida longa, se vai podendo armazenar na memória, às quais, com a diminuição do ritmo da atividade, vamos podendo passar a dedicar mais atenção e interesse do que até então. As figuras e rostos de pessoas que há já sessenta ou setenta anos não habitam esta terra sobrevivem em nós, pertencem-nos, fazem-nos companhia, contemplam-nos com o seu olhar vigilante. Casas, jardins e cidades que entretanto desapareceram ou estão completamente transformadas, vemo-las intactas como outrora, e costas marítimas e montanhas longínquas, que vimos há décadas em viagens que por lá fizemos, reencontramo-las agora de cores frescas e garridas neste nosso livros ilustrado.”

     "Olhamo-nos, eu e o meu velho camarada da escola, e cada um de nós vê no outro não apenas os cabelos brancos e os olhos cansados sob a pálpebras pregueadas e hirtas, cada um de nós vê o outrora por detrás de hoje.”

     E a acabar, um pensamento belíssimo (poesia quase, a lembrar-me José Gomes Ferreira):

     “Só ao envelhecermos nos damos conta da singularidade do belo e do milagre que efetivamente é quando entre as fábricas e os canhões também desabrocham flores e quando entre os jornais e boletins da bolsa ainda sobrevivem poemas.”

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