A Anomalia, Hervé le Tellier (Editorial Presença)

   Um amigo emprestou-me este livro de Hervé le Tellier. Confesso que nunca tinha ouvido falar do autor, nem desta obra, nem mesmo a pretexto do Prémio Goncourt, atribuído há dois anos. Li-o num instante porque o difícil é interromper a leitura. Os ingleses têm a expressão page-turner (que é utilizada na contracapa) e que já tentei passar para português, sem encontrar correspondência. Recorro ao tradutor do google que me devolve a expressão “virador de página”. A verdade é que começamos a ler A Anomalia, a seguir uma personagem por capítulo e a tentar entender o que lhe aconteceu ou fez, sem compreender nada do que se passa, e vamos virando as páginas para ver se encontramos alguma explicação.
    Sobre a anomalia que acontece e que dá o título ao livro, não poderei dizer nada em concreto, porque iria estragar o prazer da leitura e da sua descoberta. 
    Li as 276 páginas desta edição na expetativa (com receio) que Hervé le Tellier avançasse com uma explicação esotérica para a anomalia que acontece. Mas não o faz, avança várias hipóteses sem escolher ou apontar alguma e diverte-se com as reações, tanto das personagens envolvidas, como de líderes mundiais. Hilariante a conversa entre o Presidente americano, Donald Trump, e Emmanuel Macron, que o primeiro designa de «idiotazinho arrogante». Ou quando aventa a possibilidade de a anomalia ter ocorrido com o Air Force One dando origem a dois Presidentes americanos que, «juntos, teriam dado cabo do Twitter no próprio dia». Como escreveu António Aleixo, «P’ra mentira ser segura/ e atingir profundidade/ tem que trazer à mistura/ qualquer coisa de verdade.»
    
    Ao mesmo tempo que descreve a forma como as pessoas que vão tendo conhecimento do que se passou e das consequências reagem, escreve o seguinte:

    «A mensagem é pouco clara, mas a liberdade de pensamento na Internet é ainda mais total quando nos asseguramos de que as pessoas deixaram de pensar.»

    Um livro extraordinário que é a mesmo tempo um thriller, uma sátira aos tempos atuais, um arrepio nas possibilidades que levanta.

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