Ventos do Apocalipse, Paulina Chiziane (Caminho)

    Li Ventos do Apocalipse numa edição recente que ostenta na capa a indicação que a Autora foi Prémio Camões 2021, mas a 1.ª edição é de 1993, um ano depois do fim da guerra civil de Moçambique, e é fruto dessa vivência terrível. Transmite bem o horror que representa a guerra, sobretudo a civil, na vida das pessoas.

   Ventos do Apocalipse começa com um prólogo seguindo-se três pequenas histórias. Terríveis todas. «O marido cruel», «Mata que amanhã faremos outro» e «A ambição de Massupai». Histórias de fome, medo, morte, crueldade e ambição. Mas isto são histórias contadas à volta da fogueira, por um avô, a quem pedem histórias bonitas. Porque «O povo não tem biblioteca e nem escreve. A sua história, os seus segredos residem na massa cinzenta dos antigos, cada cabeça é um capítulo, um livro, uma enciclopédia, uma biblioteca.»

   KARINGANA WA KARINGANA (expressão que não consta do glossário e que significa Era uma vez) é então que começa a história, que, como é dito, se repete. «A terra gira e gira, a vida é uma onda, chegou a hora, a história repete-se....

  Os quatro cavaleiros do Apocalipse descem dos céus - helicópteros? - mas enquanto as forças de combate estão alertas, o povo tem medo e tem fome - «Quem escapa da fome não escapa da guerra; quem escapa da guerra é ameaçado pela fome.» (pg. 61) Mas o povo tem sobretudo sede, porque não chove. Para encontrar água decidem fazer o mbelele (cerimónia da chuva) e purificar a terra e a gente e para isso constituem um tribunal que se estreia com o julgamento das mulheres: «a mulher é a causa de todos os males do mundo; é do seu ventre que nascem os feiticeiros, as prostitutas. É por elas que os homens perdem a razão.» (pg 97)

    Até que a guerra chega à aldeia, guerra entre irmãos, mais terrível por isso. Mas «com mais violência ou menos violência, uma guerra é sempre uma guerra.». Os sobreviventes partem. Fogem. Na viagem «a noção do tempo e do espaço dilui-se nas trevas, perdeu-se o sentido da distância.» (pg 176) Mas também na viagem se confrontam com o horror, o indizível. 

    Confesso que me custou muito ler partes de Ventos de Apocalipse, ainda para mais coincidindo com as imagens terríveis que são diariamente transmitidas da guerra Israel - Palestina. As populações a fugir, sem acesso a água e comida. E como a dada altura é dito «Nas guerras antigas não se matavam mulheres nem crianças, muito menos os velhos. Os homens de ontem eram mais sérios.» (pg. 145).

    Mas como refere, a morte do homem é sempre inútil...

   «Dos veados aproveitou-se a pele e a carne. Da leoa tirou-se a pele. O homem foi simplesmente enterrado, a morte do homem é sempre inútil» (pg. 187)  

     E se no final já não há guerra, continua a fome e o povo da aldeia onde agora vivem aguarda pela ajuda, que sabem que virá de vários cantos do mundo. Mas de que desconfia  e sabe as consequências em quem dá e em quem recebe.

    «No passado, os grandes homens da Europa em sessões magnas, festins e banhos de champanhe dividiram o continente negro em grandes e boas fatias, escravizaram, torturaram, massacraram e deportaram as almas destas terras. Hoje, gente oriunda das antigas potências colonizadoras diz que dá a sua mão desinteressada para ajudar os que sofrem.É preciso acreditar na mudança dos homens, eles sabem disso, mas a sabedoria popular ensina que filho de peixe é peixe e filho de cobra cobra é. Toda a gente sabe que, neste mundo cruel, ninguém dá nada em troca de nada.» (pg. 249)    

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