A zona de interesse, Martin Amis (Quetzal)

A zona de interesse
    
    Depois de ter visto o filme A zona de interesse, de Jonathan Glazer, fiquei com curiosidade de ler o livro com o mesmo título, de Martin Amis, em que se baseou.

     Tive a sorte da minha filha mo oferecer no passado Dia da Mãe. Confesso que enquanto lia, tive necessidade de me lembrar do filme, porque o livro é bastante mais complexo ou, sendo mais exata, são histórias distintas. A coincidência entre ambos – o livro e o filme – tem a ver com a localização da residência do Comandante Doll e respetiva família junto de um campo de concentração, durante a II Guerra Mundial. No filme, a mensagem principal – pelo menos foi o que retive – é a absoluta estranheza de uma vivência familiar trivial junto de um campo da morte. Um jardim repleto de flores onde brincam crianças enquanto ao lado, no campo da concentração, a chaminé vomita um fumo negro e espesso e se vislumbram figuras humanas esquálidas. No fundo, é a destruição da ideia ainda por muitos veiculada e aceite que havia quem não soubesse. Se soubessem nunca aceitariam. A cena mais chocante é quando várias mulheres, esposas de oficiais alemães e suas filhas, escolhem roupa que era das mulheres presas e mortas no campo.

     O livro tem outra densidade. O ambiente é o mesmo, a casa do comandante Doll ao lado do campo de concentração e a vida familiar. Mas a mulher, Hannah, que antes do casamento tinha estado apaixonada por um militante do partido comunista, é uma mulher inquieta, irreverente e desesperada por uma derrota alemã. Cada capítulo é narrado separadamente por três vozes masculinas: Thomsen, um militar alemão que se apaixona por Hanna, Doll, o comandante e Szmul, um judeu, preso no campo, que pertence ao Sonderkommando, o Pelotão Especial. Judeus que trabalhavam nos campos de concentração, queimando os corpos, retirando próteses e dentes de ouro e cortando os cabelos. Como ele refere: «Quase todo o nosso trabalho é feito no meio de mortos, com pesadas tesouras, maços e alicates, baldes com restos de gasolina, afiadores, conchas.» (pg. 46)

     A violência é institucionalizada, desumanizada, mas também próxima e mesquinha, recaindo sobre pessoas que Doll conhece e usa, como as mulheres com quem mantém relações sexuais ou o próprio Szmul. Dir-se-ia que a partir do momento em que se conhecem seria mais difícil ameaçar ou matar, mas parece indiferente para Doll. Chega a anunciar a Szmul o dia em que o irá matar para perceber se saber o dia da morte alteraria o seu comportamento ou a sua obediência.

     A Zona de interesse acaba pouco depois do final da II Guerra Mundial e Thomsen decide procurar Hannah.

     Um livro duro, mas – cada vez mais - não podemos deixar cair no esquecimento estes anos de horror.

     Nas primeiras páginas de A zona de interesse encontramos uma fotografia de carris de comboio e ao longe a imagem de um edifício que nos remete de imediato para a ideia da chegada a Auschwitz e depois o seguinte texto:

«”As 150 mulheres que enviou chegaram em boas condições. No entanto, não pudemos obter resultados conclusivos, visto que todas elas morreram durante as experiências. Solicitamos-lhe o obséquio de nos enviar outro grupo de mulheres – o mesmo número e ao mesmo preço.”

Ergui os olhos e disse:

- Quanto custam as mulheres?

- Cento e setenta marcos cada. Doll queria duzentos, mas a Bayer deu-lhe a volta e ele acabou por baixar para cento e setenta.

- E o que é que a Bayer estava a testar?

- Um novo anestésico.

Exageraram um pouco.

Obviamente.»

A IG Farben, companhia química alemã, é citada repetidamente e entre as suas empresas contava-se a AGFA, a Bayer e a BASF. Continua a impressionar-me a sobrevivência destas empresas e marcas com este passado apesar de já saber do seu envolvimento no regime nazi e no financiamento da campanha de Hitler (v. L’ordre du jour, de Éric Vuillard).

 

Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Desafio 100 livros BBC

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)