Tudo isto é Sarah, Pauline Delabroy-Allard (Alfaguara)

    A pilha de livros que recebi entre o Natal e o meu aniversário continua grande e titubeante na primeira (ou será a última?) prateleira da estante de livros, que está no que antes era o quarto da minha filha e que agora designo de «meu escritório». Apesar da designação - e da função – é também o quarto dos brinquedos dos meus netos. Na estante da direita acumulam-se os livros deles, herdados da mãe e dos tios. Na estante da esquerda estão os livros por ler ou que quero perto de mim.

    “Tudo isto é Sarah” estava no topo dos livros e, sem sequer o folhear ou ler o resumo na contracapa, comecei a lê-lo. É um livro inquietante, o relato de uma paixão violenta que derruba tudo à sua volta. Duas mulheres apaixonam-se sem que antes tivessem vivido relações com outras mulheres. Sabemos pouco sobre quem nos conta a história, a não ser que é professora e mãe solteira, porque o pai da criança desapareceu sem avisar. «Sou mãe de uma criança perfeita, professora de alunos notáveis, filha de pais maravilhosos.» (pg. 17)

    Apesar de não esperar nada nem ninguém, mantém uma relação com um rapaz búlgaro. Vive, como ela própria considera, em latência. Não sabe quanto tempo durará, nem o que terá de acontecer para terminar. Ao longo do livro retoma o termo, cuja definição procura em dicionários

    E a vida podia continuar assim, em latência, se não fosse ter aparecido Sarah na sua vida. Na primeira parte, com pequeníssimos capítulos ou separadores com números, muitos começam da mesma forma: Ela…e ela é sempre Sarah. E dela, Sarah, sabemos quase tudo. Do que gosta e do que não gosta, o que faz – é violinista -, onde cresceu e onde vive. Ficamos a saber os seus mínimos gestos, os seus caprichos e vontades. Tudo isto ficamos a saber.

    E falando de Sarah, dela, fala-nos da paixão que vivem, que sentem. Uma paixão arrebatadora. «É disso que isto fala, da vida deslumbrante em todas as circunstâncias.» (pg. 83)

    A segunda parte é distinta, cheia de dúvidas, inquietações e tristeza.

    «Então é assim? A vida pode parar, o amor pode morrer e este mundo pode continuar, mesmo ao lado, ao mesmo tempo, no mesmo espaço, a cintilar de beleza?» (pg. 115)

    Ao lê-lo recordei-me de "O Amante" de Marguerite Duras ou de "Uma paixão simples" de Annie Ernaux. A mesma força inquietante, a dependência total.

    Tudo isto é Sarah foi a obra de estreia de Pauline Delabroy-Allard que já tem um segundo livro traduzido para português "Quem sabe". Eu sei que o quero ler.

    Fui tentando ouvir as músicas de que fala – e que Sarah toca -, à medida que as refere: Indian song, Quinteto de Franck, o Quarteto de cordas n.º 13 de Beethoven, o Octeto de Mendelssohn, As quatro estações de Vivaldi, A sagração da primavera de Stravinsky. Tudo isto foi Sarah.

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