Noites de Peste, Orhan Pamuk

 

Noites de Peste
    Gosto muito dos livros do Orhan Pamuk o que justifica que dois amigos me tenham oferecido o mesmo livro, Noites de Peste, por ocasião do meu aniversário. O Museu da Inocência continua a ser um dos livros da minha vida. Por ele continuo a sonhar com uma viagem à Turquia para visitar o Museu com o mesmo nome. Mas li outros livros deste Autor, como Uma Estranheza em Mim ou A Mulher de Cabelo Ruivo, de que gostei igualmente. Por isso, crio sempre enorme expetativa quando é editado entre nós um novo livro dele.

    Apesar de ter sido traduzido e editado em Portugal no ano transacto, foi editado originalmente em 2021, justamente quando grassava em todo o mundo a pandemia Covid 2019, sendo que muitas medidas descritas no livro e que terão sido adoptadas há mais de 100 anos eram as mesmas que foram impostas na atualidade. Orhan Pamuk terá começado a escrevê-lo antes da pandemia, o que é uma coincidência impressionante.

    Algumas surpresas iniciais: o livro começa com um prefácio de Mina Mingher que se apresenta como autora de Noites de Peste e só quase no final do livro percebemos quem é Mina; ainda antes do prefácio encontramos um mapa detalhado da ilha de Mingheria. Confesso que fui confirmar se esta ilha existia ou não, tão verosímil me parecia o mapa, tendo descoberto que foi inventada pelo Autor que, para além de indicar a sua localização no Mediterrâneo oriental, detalha a localização dos principais edifícios da ilha.

    Mina Mingher é a bisneta da Princesa Pakize, que foi Rainha de Mingheria, e é com base nas 113 cartas que a sua bisavó escreveu à irmã mais velha, a Princesa Hatice, entre 1901 e 1913 que escreve este livro.  

    A Princesa Pakize é sobrinha do sultão Abdul Hamid II que destronara o irmão mais velho e remetera-o, bem como às filhas, ao confinamento. Anos mais tarde escolheu noivos para as três sobrinhas. Para a mais nova, a Princesa Pakize, escolheu Nuri Bei, médico de quarentena, então já famoso. Os dois embarcam com destino à China, onde doutor Nuri, príncipe consorte, iria intervir e sensibilizar sobretudo a população muçulmana para a necessidade de respeitar medidas de quarentena, . Passam pela ilha de Mingheria onde desembarca outro passageiro, Bonkowski Paxá, inspetor chefe de saúde pública do Império Otomano, devido ao surto de peste que ali grassava. Depois de prosseguirem viagem, são obrigados a voltar a Mingheria após o assassinato de Bonkowski Paxá.

    Como é referido no Prefácio, a Princesa Pakize raramente saiu da ala residencial do Palácio do Governador e só sabia o que se passava através dos relatos do seu marido, mas é pela voz dela que vamos descobrindo as medidas decididas e impostas, a resistência às mesmas e as transgressões efetuadas. E vamos sentindo de forma crescente a incapacidade de lidar com a doença. Por causa do surto descontrolado da peste, a ilha é cercada por barcos de diversas nacionalidades (ingleses, franceses e russos) e a dada altura declara a independência.

    A princesa é escolhida para um casamento de fachada com o xeque Hamdullah para mostrar ao mundo que a filha do antigo sultão otomano e califa do Islão iria ficar ligada ao Estado mingheriano pelos laços do matrimonio. A princesa aceita para garantir a segurança do seu marido, doutor Nuri, entretanto detido para a pressionar a aceitar. Pouco depois o xeque morre, tornando-se então rainha. Como receiam que não aceite assumir o cargo, explicam-lhe que nem precisaria de deixar a ala residencial, tendo então respondido:

    «-Pelo contrário, caro cavalheiro, subirei ao trono como rainha para nunca mais me poderem trancar num quarto e para poder sair e passear pelas ruas sempre que me aprouver.» (pg.509)

    Entretanto as medidas para debelar a peste vão surtindo efeito tendo a pandemia sido considerada debelada. Nessa altura compreendem que mais do que ser independente, Mingheria deveria pertencer aos mingherianos, pelo que a princesa – temporariamente rainha - é afastada do cargo, prosseguindo então a viagem para a China, com o marido.

    Em 1912, a Itália reconheceria oficialmente a independência de Mingheria, contudo a bandeira italiana passou a ser hasteada juntamente com a bandeira mingheriana no Palácio do Governador. Entre 1943 a 1945 aquelas bandeiras são substituídas pela bandeira alemão, entre 1945 e 1947 pela bandeira britânica, regressando então a original bandeira mingheriana.

    O livro acaba com um encontro entre a bisavó, a princesa Pakize, e a sua bisneta, fascinada por Mingheria e pela sua história.

    Neste, como noutros livros de Orhan Pamuk, ele aparece:

    «O carro crivado de balas – onde seguia Mahmut Sevket Paxá, comandante do exército de Ação e o homem nomeado pelos orquestradores do golpe contra Abdul Hamid como chefe do novo governo – que não era blindado, encontra-se atualmente em exposição no Museu Militar no bairro de Harbiye, em Istambul, assim como as armas usadas pelos assassinos, que foram capturados e enforcados, e o romancista e entusiasta de História Orhan Pamuk contou-me que costumava visitar obsessivamente essa exposição uma vez por semana, durante um período nos anos oitenta em que morou numa casa em Nisantasi, cinco minutos a pé do museu.» (pg. 579)

    Confesso que a leitura de Noites de Peste me enfastiou. Centenas de páginas descrevem avanços e recuos das medidas adoptadas para combater a peste e as suas consequências e depois, em poucas páginas, é contada a história da independência da ilha praticamente até à atualidade, chegando a mencionar a pretensão de Mingheria entrar na União Europeia. Há muitas histórias dentro de Noites de Peste que mereceriam maior atenção ou pelo menos um maior equilíbrio com o relato do período da peste.

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