Combats et métamorphoses d'une femme e Qui a tué mon père, Édouard Louis
Entrei fora de horas, numa livraria, em S. Martinho do Porto. Ia sem objetivo certo, a fazer tempo numa noite de verão pouco estrelada e muito ventosa. Numas prateleiras, perto da caixa, encontrei vários livros deste autor, Édouard Louis, de que nunca tinha ouvido falar. Falo em conjunto dos dois livros porque me parecem quase a continuação um do outro. São pequenas edições, em formato de livro de bolso. Li primeiro o Combats et métamorphoses d'une femme - que se encontra traduzido para português por uma editora brasileira -.
Num estilo que lembra o de Annie Ernaux, começa com a descrição de uma fotografia da mãe, de quando tinha vinte anos, e é essa imagem dela, ainda jovem, sedutora, que o faz pensar que ela já teria sido livre, antes do seu nascimento, e o faz perceber que os vinte anos que a mãe viveu com o marido, uma relação marcada pela violência, não era natural. Relata depois vários episódios, fazendo um mosaico da vida familiar e da sua própria infância e adolescência, marcada pela discriminação que sofreu por ser homossexual. Contesta as ideias da literatura que lhe foram ensinadas (on m'a dit que la littérature... ) segundo as quais a literatura não serve para explicar, o escritor não se deve repetir e, sobretudo, não deve ser um manifesto político. Porque, como conclui, escrever sobre a mãe e escrever sobre a sua vida, é escrever contra a literatura e é o que ele faz. Depois da mãe deixar o marido, há uma aproximação com o filho que se surpreende e acompanha a sua metamorfose. Como ela lhe diz: «Tu vois, je ne suis plus la même! Je suis une vraie Parisienne maintenant.»
Li depois Qui a tué mon père. Li os dois livros pela ordem inversa em que foram escritos ou pelo menos publicados. Pensei que teria sido ao contrário, porque pensei que teria sido necessário o filho conviver com a mãe independente e metamorfoseada, para aceitar o pai. Mas não foi assim.
A escrita de um e outro livro são distintas. Qui a tué mon père é escrito quase como uma peça teatral, assumida, aliás, pelo autor logo no início. A narração é organizada cronologicamente e nela também aparecem vários episódios da infância do autor, marcada pela violência do pai contra a mãe, pela pobreza e pela ignorância. Marcada também pelo desprezo que o pai manifesta, em público, pelo filho, por ser muito efeminado, contudo, a pouco e pouco, o filho descobre nele um homem cheio de contradições, que em público o despreza, mas em privado é capaz de o admirar. Em 2000, o pai sofre um acidente na fábrica que o irá deixar paralisado e cheio de dores durante vários anos.
O filho enumera depois as políticas e os políticos que desde 2006 contribuíram para abater o seu pai:
«Hollande, Valls, El Khomri, Hirsch, Sarkozy, Macron, Bertrand, Chirac. L'histoire de ta souffrance porte des noms. L'histoire de ta vie est l'histoire de ces personnes qui se sont succédé pour t'abattre. L'histoire de ton corps est l'histoire de ces noms qui se sont succédé pour le détruire. L'histoire de ton corps accuse l'histoire politique.»
Tal como a mãe, o pai passa por uma metamorfose, aproximando-o do filho.
Combats et métamorphoses d'une femme e Qui a tué mon père, dois livros tocantes, de infâncias sofridas e mal tratadas, de falta de esperança e da denúncia de como as políticas públicas podem contribuir decisivamente para o sofrimento das pessoas e para a perpetuação da pobreza.
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