O Conquistador, Almeida Faria (Assírio e Alvim)
Li O Conquistador no âmbito do Clube de Leitura da Almedina, dinamizado por Paulo Faria. Do autor, Almeida Faria, já tinha ouvido falar, mas desconhecia a dimensão da sua obra, os prémios que tinha ganhado e as línguas para as quais já tinha livros traduzidos. O Conquistador é o seu sexto romance, publicado em 1990, e inclui um conjunto de desenhos fantásticos de Mário Botas, também autor da ilustração da capa.
Começo por confessar que gostei de ler um romance passado em
Portugal, com nomes e lugares portugueses, com a nossa história e as nossas
pequenas estórias e crenças.
Joana Correia de Castro e João de Castro, faroleiro, viviam
no Cabo da Roca. Como não tinham filhos, ficaram com a criança encontrada na
praia da Adraga, depois da tempestade mais tremenda de que as pessoas se
lembravam. Segundo a avó Catarina, a criança estava «metida num ovo enorme, com
a cabeça, as pernas e os braços de fora» e não podia ser um acaso ter vindo ao
mundo a 20 de janeiro, tal como el-rei D. Sebastião, dia do santo do mesmo
nome. Não falou antes dos três anos. Havia quem dissesse que isto acontecia
porque beijara um espelho de algibeira ou porque tomara o bafo de um gato vadio
que por ali andava ou porque lhe tinham cortado as primeiras unhas com uma
tesoura e não com os dentes. Apesar de a mãe não acreditar, aceitou recorrer às
mezinhas habituais em tais casos, que incluíram fazê-lo atravessar sete vezes a
sala de entrada que, tendo duas portas permitiria que a corrente de ar lhe
desentupisse a glote (pg.52). Sem que nenhuma das mezinhas tivesse surtido
efeito, antes do Pentecostes «desentaramelou-se enfim a língua.»
A avó Catarina foi decisiva na vida de Sebastião, «assim que
a avó chegava, o mundo mudava de cor» (pg. 40). Aos quinze anos e nove meses,
Sebastião passa a morar em sua casa.
As mulheres são uma constante na vida de Sebastião. Ainda no
berço recorda-se das visitas de Dora Bela e do efeito que produzia no
seu corpo, tendo o marido dela (liliputiano como ela e ambos reformados do circo) reparado e desaparecido
ambos da vida de Sebastião. Quando entrou na escola começou a namorar coma
Amélia, filha de outro faroleiro, mas o namoro acabou quando ela lhe «tocou
naquela parte que desata a crescer sob certos efeitos». (pg. 60) A partir daí
começa a dar-se com os dois maiores cábulas da escola e a inventar histórias
com turistas.
A próxima aventura é com a professora, a D. Justina, quando
a encontra numa das enseadas ao pé da praia da Ursa, encontro temporariamente
interrompido pela aparição de um monstro meio homem meio serpente, que a professora
justificou como sendo a alma penada do seu antigo marido. Anos depois,
Sebastião vai para o secundário em Sintra, onde havia a segregação sexual,
meninas de manhã, rapazes à tarde. É por essa altura que conhece Clara,
estrangeira, que viera à Europa investigar a diáspora dos seus antepassados
judaicos e estava instalada em casa de Gloria Swanson.
Ao mesmo tempo é assediado pelo Núcleo Sebastianista de
Sintra. Quando Clara parte, Sebastião decide sair de Sintra e ir viver com a
avó Catarina para Lisboa. Vai para o liceu Pedro Nunes, por insistência de
Alcides de Carvalho, sebastianista e monárquico, que tem lá um primo, professor
de história. Um dia é convidado para ir a casa do professor, onde se encontrava
o primo Alcides e Julieta, a mulher do professor. «Entre os três reinava a
cumplicidade de quem é interrompido em plena bacanal de bordel». Mais tarde conhece Helena, que está de passagem por
Lisboa. Leva-a ao Museu de Arte Antiga onde lhe mostra o retrato de D.
Sebastião e faz-lhe notar as semelhanças entre os dois.
Na noite que passam juntos no hotel, Helena faz-lhe o
horóscopo e convida-o para passar uma temporada em Paris, o que lhe agrada,
porque em breve completará 20 anos, «o que significava ir às sortes, ser
apurado para todo o serviço e enlatado num avião ou num paquete para defender
«as Províncias ultramarinas» contra a insurreição dos povos colonizados,
instigados por uma campanha de intoxicação internacional» (pg. 160) Termina por
sair do país «a salto» conseguindo dias depois chegar a Paris, via Bordéus.
Em Paris aceita integrar a SUCH, sociedade de que Helena era
a principal animadora, só depois se apercebendo que se tratava de uma «sociedade
para o uso conveniente dos homens». Ao mesmo tempo inscreve-se em História na
Sorbonne, mas tem dificuldade em conciliar as duas atividades porque
«necessitava de umas horas comigo para não me perder de vista» (pg. 167).
Quando começa a ser disputado por várias mulheres que defendem que deverá
mudar-se para Nova Iorque, onde estava a sede da SUCH, decide abandonar tudo não sem antes
terminar os exames na Sorbonne. Regressa clandestinamente a Portugal e
instala-se na Peninha. Combina um esquema com Helena que lhe permitirá
manter-se em contacto com a família, sem que percebam que está em solo
português.
Termina reconhecendo que a travessia que fez não o trouxe senão ao ponto de onde partiu, continua ignorando quem é e «se fui quem hoje julgo ser, se sou quem dizem que fui, se nunca serei mais que não saber quem sou ou quem serei, mesmo assim valeu a pena. Alguma coisa aprendi: quem não quero ser.» (pg. 180)
Comentários
Enviar um comentário