Os informadores, Juan Gabriel Vásquez (Alfaguara)
Começo por confessar a minha irritação com a maior parte das frases que constam das cintas que envolvem as edições de alguns livros. Muitas vezes nem sequer têm autoria, limitando-se a remeter para um jornal estrangeiro, de preferência americano. Neste caso, a cinta que envolve a segunda edição de Os informadores, cita Paulo Portas: "Se existir uma possibilidade de haver um novo Gabriel Garcia Márquez, é Juan Gabriel Vásquez."
Parece-me que, para além da coincidência parcial do nome, só os une a nacionalidade. O estilo e a temática de um e de outro nada têm em comum.
Os informadores é um livro sobre a memória, individual e coletiva, e sobre a culpa. Gabriel Santoro, que tem o mesmo nome de seu pai, decide escrever um livro baseado nas memórias de Sara Guterman, uma amiga da família, a que dá o título Uma Vida no Exílio. Depois de o escrever e publicar, nada voltou a ser como antes entre ele e o pai.
O pai, Gabriel Santoro, era uma pessoa conhecida porque tinha tido a seu cargo o Seminário de Oratória do Supremo Tribunal durante mais de 20 anos e porque tinha sido quem discursara, em 1988, aquando da comemoração dos quatrocentos e cinquenta anos de Bogotá. Havia conhecido Sara quando jovem e permaneceram amigos ao longo da vida.
Sara nasceu na Alemanha e chegou à Colômbia antes da 2.ª guerra mundial, em 1938, com 14 anos. A família fugiu porque estava prevista a sua detenção.
Em 1941, poucos anos após a chegada de Sara, a Colômbia rompeu com o Eixo e começaram a proibir imigrantes alemães, italianos e japoneses de trabalharem na emissora e nos jornais, tendo sido depois corridos da costa marítima e obrigados a instalar-se no interior. Muitos integraram uma lista negra.
"Os nomes, Gabriel, milhares e milhares de nomes em toda a América Latina. (...) Bem organizados, dispostos alfabeticamente, não por ordem de mérito, nem por perigosidade. O dono de uma livraria em Barranquilla, onde se faziam reuniões nazis e se oferecia o Mein Kampf a todos os que aparecessem, esse senhor surgia ao lado de um japonês que vendera três batatas e três cenouras à embaixada espanhola, e só por isso, por trocar as suas hortaliças pelo dinheiro dos franquistas, incluíam-no na lista negra." (pg. 122)
Mais tarde, muitos deles foram levados para campos de concentração. Nalguns casos, depois da guerra, os seus bens foram confiscados para ressarcir o Estado colombiano da estadia nos campos de concentração.
Sara e Gabriel eram também amigos de Enrique, filho de pai alemão e mãe colombiana. O pai, não sendo nazi, sentia-se diminuído pelo facto de cada vez discriminarem mais os alemães:
"Chamam-nos espiões, apedrejam a nossa comunidade, partem as montras das nossas lojas, proíbem a nossa língua. " (pg. 140)
O pai de Enrique foi detido num desses campos e a mulher deixou-o. Algum tempo antes da detenção, tinha chegado uma família alemã, que conhecia o chefe do partido nazi colombiano e que afirmou, perante Enrique e o seu pai, que cada "alemão casado com uma colombiana é uma perda para o povo alemão" (pg. 137). O pai, ao contrário do filho, não reagiu a esta afirmação.
O Enrique comprovou então o que sempre soubera do seu pai: somos o que dizemos, somos como dizemos (pg. 128) E o pai de Enrique falava e pensava em alemão
Gabriel pai não falava desses tempos, como se os tivesse esquecido. Sara era a sua memória:
"Quando se tornou óbvio que era ele que iria esquecer tudo, que tinha a intenção de apagar a sua parte do filme, contra todos os ventos e marés, pensei que eu era a sua memória, ocorreu-me essa ideia tão estúpida de ser a memória de alguém, e isso ficou-me na cabeça." (pg. 105)
Para além de Sara e de Enrique, só a mulher de Gabriel Santoro sabia toda a verdade. A ela, antes de a pedir em casamento, o pai contara-lhe tudo. Mas a morte dela, não o libertou, pelo contrário.
Os informadores está muito bem escrito e descreve um período de que pouco se fala e conhece. Mas penso que podia ter ido mais longe no sentido de tentar perceber o que leva alguém a informar, no fundo, a denunciar outrem.
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