Mensagens

A mostrar mensagens com a etiqueta Lídia Jorge

Misericórdia, Lídia Jorge (D. Quixote)

Imagem
   Ao contrário do que é habitual, não escrevi sobre este romance quando acabei de o ler. Não o fiz por ter, entretanto, ido de férias ou começado a ler outros livros, mas porque precisava de o digerir.     Misericórdia, para além da qualidade da escrita, confronta-nos com as nossas opções, a nossa realidade, os nossos medos. Ao lê-lo lembrei-me das mãos da minha avó, agarradas às minhas, enquanto me pedia que não permitisse que um dia a pusessem num lar. Morreu em casa, e gosto de pensar que todos os dias a sentavam no sofá, na sala, junto à janela, a apanhar um pouco de sol e a ver quem passava na rua. Um direito que devia assistir a todos, mas que a poucos é permitido.     Depois de ter lido Misericórdia, ouvi a Autora, Lídia Jorge, explicar o sucesso do livro pelo tema tratado, que definiu como os «marginais da idade que não têm lugar no mundo (…) e que são vítimas do nosso sistema neoliberal económico (…) não encontrámos uma forma mais h...

A Costa dos Murmúrios, Lídia Jorge (D. Quixote)

Imagem
    Em junho, julho, antes de partir de férias (ou de ficar de férias, porque mesmo ficando por casa, férias são férias) começo a sentir vontade de acumular livros, na convicção que terei pela frente muitos dias livres para ler. Com frequência, recomeço a trabalhar com menos livros lidos que desejaria, mas mantenho intocada essa expetativa.     Na ausência da Feira do Livro nesses meses (espero que para o ano retome o calendário habitual) decidi aproveitar um passeio até Cascais para finalmente conhecer a livraria Déjà Lu . Infelizmente estava fechada, mas quase ao lado encontrei outra livraria de que nunca tinha ouvido falar: Indie, not a Bookshop . É uma pequena livraria, num espaço acolhedor. Apetece folhear os livros, escolher alguns e em vez de pagar e sair, ficar por ali a lê-los.     Soube depois que abriu portas há menos de um ano, em plena pandemia. Para além de livros em várias línguas, tem também diversos objetos e jogos sobre livr...

Os Memoráveis, Lídia Jorge (D. Quixote)

Imagem
    Os Memoráveis traz na primeira página um poema de Alexandre O'Neill e depois uma citação extraordinária saída dos Murais de Lisboa: « Desculpem não nos encontrarmos nestas ruas. Só nasceremos amanhã. »      E não poderia ser mais adequada à narrativa, porque, para além da protagonista, Ana Maria Machado, ter nascido depois do 25 de abril, penso que Lídia Jorge escreveu Os Memoráveis a pensar nas gerações mais jovens que também não o viveram. Quando o livro se inicia, em novembro de 2003, Ana Maria está numa receção em Maryland, em casa do antigo embaixador em Portugal (Frank Carlucci?) quando é desafiada a preparar uma reportagem sobre o 25 de abril, para um programa chamado A História em Vigília ou A História Acordada (« Ela deveria ir lá, quanto antes, recolher o resto da metralha de flores que ainda existe entalada entre as pedras da calçada de Lisboa », pg. 14). Esse programa incluiria reportagens noutras capitais, como Budapeste, Praga, Berlim e Bucar...

Combateremos a sombra, Lídia Jorge (Edições D. Quixote)

Imagem
    Confesso que gostei tanto deste livro quanto me surpreendeu. Há muitos anos que não lia Lídia Jorge e tinha a ideia que os livros dela eram pesados e dificeis. Daqueles que reservamos para as férias, para lermos com espaço e tempo. Provavelmente tê-lo-ia apreciado mais se o tivesse lido lentamente, sentada no meu sofá. Mas é um livro irrestivel desde o início, daqueles que não conseguimos largar. Começamos a ler e ficamos presos:     Deveríamos rir-nos da fragilidade da memória, ou pelo menos sorrirmos das artimanhas do seu esquecimento. Na verdade, passados três anos depois da passagem do Milénio, se nos perguntarem o que sucedeu durante essa noite que então tomámos por memorável, pouco mais do que a figura sideral de um fogo-de-artíficio em forma de chuva de estrelas a cair sobre o cenário de um rio nos virá à mente. E no entanto, a vida não se passou bem assim.     Para além da escrita, ficamos reféns do enredo, porque o que pen...