Aqui estou, Jonathan Safran Foer (Alfaguara)

Jonathan Safran Foer @ Clube de Leituras   De Jonathan Safran Foer li os dois romances anteriores, Está tudo iluminado e Extremamente alto e incrivelmente perto. São ambos livros mágicos, pela história, pela escrita, pelas personagens. Pela originalidade. Livros que não se esquecem. Ambos deram origem a filmes também fantásticos. Surpreendentes até pela forma como foram transpostas para a tela as duas histórias. Um desafio que, particularmente no caso do Extremamente alto e incrivelmente perto, me parecia impossível de concretizar. Jonathan Safran Foer fez-nos esperar por este novo livro alguns anos, foi por isso com imensa expetativa que o recebi (foi a prenda de Natal dos meus filhos) e o passei à frente dos livros que aguardam que os leia. Quase 700 páginas depois confesso o meu desapontamento. Tem momentos excelentes que nos lembram os dois livros anteriores, mas são esporádicos. Apesar de ter lido numa entrevista ao autor que este recusa o carácter autobiográfico do livro, não o consigo entender de outro modo. Poderá não ser nos eventos ou factos, mas é seguramente nas emoções e sentimentos porque para os descrever como o faz, teve de os sentir.
    Jacob, o protagonista, enfrenta o fim do seu casamento, a consequente saída de casa onde até aí vivia com a mulher e os três filho, a morte do seu avô, a necessidade de decidir a eutanásia do seu cão e ainda um tremor de terra e a guerra em Israel. Em todas estas situações ele tem de tomar decisões mas arrasta-as por falta de coragem ou vontade.
     Aqui estou teve seguramente um eco forte nos designados judeus americanos, porque Jacob, o protagonista, questiona-se sobre até onde iria para defender os judeus e o Estado de Israel contra as ameaças que enfrenta. Ele, como outros da sua idade, representa a terceira geração dos judeus que, fugidos à guerra, chegaram aos EUA. A primeira e a segunda geração, representadas respetivamente pelo seu avô e pai, são fortemente marcadas pelos eventos e pela sua ligação à religião. A terceira geração, criada com as histórias e as memórias dos seus antepassados, interroga-se sobre o que significa ser judeu, para além da prática dos rituais. O confronto é feito sobretudo no diálogo que mantém com o primo Tamir que, vivendo em Israel, se encontra nos EUA quando eclode a guerra, contudo, Jacob não diz "Aqui estou" para o defender.
     Confesso que houve momentos em que a leitura me incomodou porque, apesar do contexto atual, o autor descreve sistematicamente Israel como um Estado acossado pelos outros, em particular pelo Irão.
    Acabei de o ler porque há passagens saborosas do livro que recordam os anteriores, sobretudo quando fala da família, em especial dos filhos, como, por exemplo, quando conta o que ficou gravado no vídeo que fez do nascimento do primeiro filho:

    «Não era o tipo de coisa que eu diria, e não tivera intenção de o dizer; as palavras haviam sido tiradas de algum poço bem mais fundo do que a minha vida, e não eram as minhas mãos a içar o balde desse poço. (...) mas os anos passaram tão depressa que tive de procurar em vídeos e álbuns de fotografias para encontrar provas da nossa vida juntos. Aconteceu. De certeza que aconteceu. Tivemos aquela vida toda. Mas era preciso provas, ou fé.»

      Revelador dos sentimentos e das relações familiares é o que diz o filho mais velho sobre os pais, Jacob e Julia, no seu bar mitzvá, depois de começar por agradecer aos restantes membros da família:

    «Não os culpo por serem quem são. Mas culpo-os, isso sim, por me culparem a mim por ser quem sou
     E mais à frente diz:

     «A passagem do meu bar mitzvá é sobre muitas coisas, mas acho que é sobretudo sobre as pessoas para quem estamos inteiramente presentes, e como isso, mais que qualquer outra coisa define a nossa identidade. O meu bisavô, de quem já falei antes pediu ajuda. Ele não quer ir para o lar judaico. Mas ninguém na minha família respondeu dizendo: "Aqui estou!". Em vez disso, tentaram convencê-lo de que ele não sabe o que é melhor e que nem sequer sabe bem o que quer. Na verdade nem o tentaram convencer; limitaram-se a dizer-lhe o que fazer.» (pág. 134, 135)

   Quase a acabar o livro, sobre ele e o cão, prestes a morrer,  diz:

    «A relação deles definia-se não por aquilo que podiam partilhar, mas pelo que não podiam. Entre quaisquer dois seres, há uma distância única e intransponível, um santuário impenetrável. Por vezes, toma a forma de solidão. Por vezes, toma a forma de amor.»

    Um livro que me deixou um sabor amargo na boca, apesar da beleza de algumas partes.

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