Escombros, Elena Ferrante (Relógio D' Água)

  
    Antes de escrever sobre este livro, Escombros (gosto do título, da sua sonoridade), tenho que confessar que me irritou imenso o fenómeno Elena Ferrante. De repente toda a gente falava nela, sobretudo após a edição da tetralogia d' A Amiga Genial, e eu justificava o meu desinteresse na sua leitura recorrendo a uma citação do Somerset Maugham:
    "Sei por experiência própria que quando um livro causa sensação convém esperar um ano antes de tomar conhecimento dele. É surpreendente a quantidade de livros que, ao cabo, nos dispensamos de ler."
    Irritava-me particularmente a discussão sobre a identidade da autora (será de facto uma autora?) e considerava a decisão dela  de não aparecer, nem se identificar, para além da indicação do nome, como uma forma de promoção, que,  paradoxalmente com o que é a prática atual, funcionava.
    Revi a minha posição quer quanto aos livros dela que já li, A Amiga Genial, História do Novo Nome, História de quem vai e de quem fica e História da menina perdida, quer quanto à opção de não aparecer.
    A leitura dos quatro volumes é viciante. Acabava de ler um volume e iniciava imediatamente o seguinte, como se fossem um só, mas o tempo dirá se esta obra perdurará. É um fresco fantástico da Itália, durante a segunda metade do século XX, com inegáveis semelhanças com Portugal. Não me identifiquei com as protagonistas, nem a sua relação me pareceu credível. Mas senti que as personagens funcionavam ao contrário do que é habitual, elas eram apenas o pretexto para contar a história daqueles tempos.
    Quanto à opção de não aparecer, com a leitura deste livro, Escombros, mais do que a compreender, aceito e respeito. Considero até exemplar a perspetiva, quando a notoriedade/qualidade de um livro passa cada vez mais  pela visibilidade do seu autor/a. Por isso, em vez de falar deste livro, que reúne um conjunto de entrevistas e cartas da autora, quase todas anteriores à publicação d'A Amiga Genial, vou apenas citar excertos, frases que roubei:
    "Eu acredito que os livros não precisam dos seus autores para nada, depois de escritos. Se tiverem alguma coisa para contar, mais cedo ou mais tarde encontrarão leitores; se não, não." (pg. 12)
     "Quero perguntar-lhe o seguinte: um livro de um ponto e vista mediático, é antes de mais o nome de quem o escreve? (...) Não constitui notícia, para as páginas culturais, o facto de ter sido publicado um bom livro? O que constitui notícia é que um nome capaz de dizer alguma coisa às redações tenha assinado um livro qualquer?" (pg. 41)
    "(...) escrever sabendo que não temos de aparecer gera um espaço de liberdade criativa absoluta." (pg. 56)
    E a finalizar,
    "(...) Os romances nunca deviam ter instruções de utilização, sobretudo redigidas por quem os escreveu." (pg. 335)
   

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