Jardins de Canela, Shyam Selvadurai (Bizâncio)

Shyam Selvadurai "@ Clube de Leituras"
    Há livros que apesar de lidos, queremos guardar. Podemos nunca mais pegar neles, mas gostamos de os saber ao nosso alcance. Que temos a possibilidade de os voltar a ler quando quisermos. 
    Foi o que aconteceu com este livro que consegui adquirir na editora, a preço de feira porque era o último exemplar e já tinha sido manuseado, depois de o ter procurado em vão em livrarias e alfarrabistas. Justamente porque me foi pedido que o procurasse por quem já o tinha lido mas queria guardar. Não vai por isso ficar comigo, mas antes de o entregar tive oportunidade de o ler e me apaixonar por ele também.
   O autor, Shyam Selvadurai, canadiano, nasceu no Ceilão, atual Sri Lanka, filho de uma mãe de origem cingalesa e de um pai de origem tâmul. Bastou ler estas indicações na badana para me consciencializar do pouco que sei da história deste país que se tornou independente em 1948, tendo sido colonizado por vários países europeus, incluindo Portugal e, até à independência, pelo Reino Unido. Depois de se tornar independente, o país é dilacerado durante vários anos por uma violenta guerra civil entre cingaleses e tâmiles (ou tâmules).
    O romance situa-se em 1928, justamente quando representantes do Reino Unido  (Comissão Constitucional Donoughmore) visitam Ceilão com o objetivo de concederem maior autodeterminação na nova constituição, gerando divisões e agravando as dissensões entre as duas etnias. As elites receiam a perda de poder que poderá representar a universalização do direito de voto ou mesmo o seu alargamento. Simultaneamente emergem movimentos de mulheres pelo direito ao voto (União para o Sufrágio Feminino) e sindicatos (União Trabalhista).
    Os protagonistas são Annalukshmi e o seu tio Balendran, ambos reféns de preconceitos, regras e ditames que os impedem de viver a sua vida como desejam. Mas juntamente com eles, vamos descobrir que há muitas coisas que ambos desconhecem. Annalukshmi, a mais velha de três irmãs, destinada a casar-se em primeiro lugar,  não quer desistir de dar aulas e um dia, quem sabe, ser diretora de uma escola, mas sabe que as mulheres professoras não se podem casar.  Por outro lado, ignora que Miss Lawton, a diretora da sua escola e sua amiga, de quem ela tanto gosta, preferirá sempre uma europeia, e que é, em muitas matérias, uma pessoa preconceituosa:
   "(...) É a forma de estar Britânica. Suponho que quando se acha que se tem o direito de governar metade do mundo para seu próprio bem, é difícil admitir que se é capaz de cometer erros, que se lamenta, e que se precisa de perdão."
    Balendran, que obedece cegamente ao seu pai, e que por ele nunca assumiu a sua homossexualidade, irá por causa do seu sobrinho, filho do irmão mais velho, finalmente enfrentá-lo.
    Não querendo antecipar o fim da história e estragar o prazer da leitura, gostei do facto de o fim  das duas histórias (Annalukshmi e Balendran) não serem previsíveis nem parecerem impossíveis.

    Apesar da distância geográfica, temporal e cultural, há partes em que a leitura me recordou Orgulho e Preconceito que é, aliás, expressamente mencionado ("Isto não é o Orgulho e Preconceito, akka (...) O teu Mr. Darcy não vai aparecer por aí montado num cavalo.")
    Ao longo do livro surgem alguns nomes portugueses ou com sonoridade portuguesa, o que é surpreendente dado o tempo passado.    
   

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