O Fio da Navalha, W. Somerset Maugham (Edição Livros do Brasil)

     Durante as férias leio sempre menos do que desejo ou planeio fazer. Em parte por falta de tempo, mas também por maior dificuldade de concentração. Este ano não foi diferente. Andei a vaguear entre livros, cheguei mesmo a ler alguns em simultâneo, o que raramente faço, até que aterrei em segurança n' O Fio da Navalha. Como nos outros livros de W. Somerset Maugham que li (Servidão Humana, O Véu Pintado ou Mrs. Craddock) fico totalmente presa logo nas primeiras linhas. Como é possível largar uma livro que começa desta forma:
    "Nunca senti maior apreensão ao começar um romance. E se digo romance é por não saber que outro nome lhe dê. Não tem grande enredo, não acaba com morte ou casamento. A morte põe termo a todas as coisas e é, portanto, fim lógico para uma história; mas também o casamento é solução muito correta e os blasés fazem mal em escarnecer daquilo que vulgarmente se diz que "acabou bem". (...)  Mas estou a deixar o meu leitor às escuras."
    Queremos então saber que história nos vai contar ainda por cima sabendo que ele irá apenas relatar factos de que tem conhecimento, sendo ele próprio narrador e personagem. Mantém de forma intermitente um diálogo connosco, seus leitores. Chega nalguns casos a surpreender:
    "Não posso esperar que o leitor se lembre de quem se trata, pois mesmo eu tive de voltar estas páginas para ver que nome lhe dei." ou logo no início quando refere "Quero ser lido, e creio estar no meu direito quando faço o possível para tornar agradável a leitura do meu livro".
    A história que nos conta é a de Elliott Templeton, um americano então residente em Paris, e da sua família, composta pela irmã, viúva, e os seus filhos. Isabel a filha encontra-se noiva de Laurence Darrell, que tinha sido aviador durante a I Guerra Mundial, tendo o seu melhor amigo morrido ao salvá-lo.  Contrariamente à expetativa da família de Isabel, Laurence contenta-se em viver com uma renda mínima, recusando todas as propostas de trabalho e assumindo que o que quer fazer é vadiar. A sua vida é uma procura espiritual, uma tentativa de entender ou justificar a morte do amigo, o que não é compreendido nem aceite numa sociedade centrada na riqueza  e na ostentação.  Apesar de desfeito o noivado, a vida destas personagens fica, de alguma forma, refém de Laurence ou é o resultado das opções que ele faz.
    Somerset Maugham acaba este romance em diálogo com o leitor e colocando-se no lugar deste:
    "E por mais desdenhosas que sejam as críticas dos intelectuais, nós o público, no fundo do coração amamos uma história que acaba bem. Donde se conclui que talvez o meu final não seja tão pouco satisfatório como receava."
    Confesso, contudo, que discordo dele quando faz o balanço da vida das personagens e conclui que conseguiram o que almejaram. Parece-me que conseguiram apenas uma aproximação daquilo que desejavam.
 
    No início, surpreendi-me com o nome de Laurence Darrell, tão parecido com o do escritor Laurence Durrell. Li, entretanto, que se trata de uma homenagem a Laurence Durrell de quem era amigo.
    O Fio da Navalha já foi adaptado ao cinema duas vezes, a primeira em 1946, com realização de Edmund Goulding e a segunda, nos anos 80, com realização de John Byrum.


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