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Não saí da minha noite, Annie Ernaux (Livros do Brasil)

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    Durante anos procurei livros sobre a velhice (e a demência) e a morte da mãe e confrontei-me com o seu reduzido número, ao contrário dos livros sobre a morte do pai. Li agora dois, excecionais, publicados recentemente sobre este tema: Misericórdia , de Lídia Jorge, e Não saí da minha noite. Ambos escritos por mulheres. Escritoras. Interrogo-me se os escritores, homens, escreverão mais sobre a morte do pai e as escritoras sobre a morte da mãe. Ultrapassando questões de afetos e ligações, tratar-se-á de uma questão de identificação? Numa entrevista – que li algures – sobre este livro (que me recuso a catalogar porque não consigo fazê-lo, nem me parece que importe), Annie Ernaux refere que tem consciência de que «a sua mãe representa “o tempo” e que de alguma maneira ela a “empurra” a ela, a sua filha, para a “morte”».      Surpreendeu-me a questão da noite, presente neste livro e em Misericórdia:      «Aqui onde me encontr...

As Três Últimas Novelas, Thomas Mann (Livros do Brasil)

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    Três novelas de Thomas Mann, cuja leitura é sempre um prazer. Confesso que várias vezes dei por mim a rir enquanto lia a primeira novela As cabeças trocadas .      Ao contrário do que se passa com as outras duas novelas, esta tem um subtítulo, Uma lenda indiana . Não conheço a lenda original, nem sei se a novela corresponde integralmente à lenda, mas o autor teve necessidade de explicar partes que ele próprio deve ter achado pouco exequíveis, como o suicídio por decapitação, e fá-lo em diálogo com o leitor:    « Dito e feito – narrado sem demoras e executado rapidamente também. E, contudo, o narrador acalenta apenas um e só desejo: que o leitor não tome as suas palavras com indiferença irrefletida e não considere o narrado como algo habitual e natural, somente porque surge em tantas narrativas e nelas parece ser usual que as pessoas cortem a sua própria cabeça. O caso particular nunca é vulgar: não há nada mais vulgar na nossa ideia e linguag...

Uma Paixão Simples, Annie Ernaux (Livros do Brasil)

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    De Annie Ernaux, li recentemente Os Anos de que gostei muito. Quando falava no livro ou na Autora apercebia-me que muitas pessoas a conheciam por este romance, Uma Paixão Simples, editado quase vinte anos antes e que foi reeditado no ano passado, provavelmente devido à sua adaptação ao cinema por Danielle Arbid.     Começo pelo título, pelo acrescento do adjetivo simples à palavra paixão, quando uma paixão nunca é - nunca pode ser - simples. A palavra paixão é definida em vários dicionários como um sentimento intenso, profundo, obsessivo, impulsivo ou desesperado. Nunca simples. Penso que com a escolha da palavra simples – tradução literal do título francês Passion simple – Annie Ernaux quis transmitir que se tratava de uma paixão apenas, com tudo o que uma paixão implica. Como ela – a narradora, que não conseguimos separar da Autora – escreve, quase a acabar:     « (…) Descobri do que podemos ser capazes, ou seja, de tudo. Desejos sublimes ou ...

O Fio da Navalha, W. Somerset Maugham (Edição Livros do Brasil)

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     Durante as férias leio sempre menos do que desejo ou planeio fazer. Em parte por falta de tempo, mas também por maior dificuldade de concentração. Este ano não foi diferente. Andei a vaguear entre livros, cheguei mesmo a ler alguns em simultâneo, o que raramente faço, até que aterrei em segurança n' O Fio da Navalha. Como nos outros livros de W. Somerset Maugham que li ( Servidão Humana , O Véu Pintado ou Mrs. Craddock ) fico totalmente presa logo nas primeiras linhas. Como é possível largar uma livro que começa desta forma:     " Nunca senti maior apreensão ao começar um romance. E se digo romance é por não saber que outro nome lhe dê. Não tem grande enredo, não acaba com morte ou casamento. A morte põe termo a todas as coisas e é, portanto, fim lógico para uma história; mas também o casamento é solução muito correta e os blasés fazem mal em escarnecer daquilo que vulgarmente se diz que "acabou bem". (...)  Mas estou a deixar o meu leitor às esc...

a Peste, Albert Camus (Edição Livros do Brasil)

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   "(...) Houve no mundo tantas pestes como guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas."         Há anos passei por uma fase Camus. Li todos os livros dele que encontrei, bem como análises e recensões sobre a sua obra.      Quando a pandemia se instalou só me lembrava deste livro, A Peste. Mal comecei a lê-lo, surpreendeu-me a atualidade e a exatidão do mesmo. Não sei como poderei definir de outra forma, mas se é inevitável que numa situação de epidemia/pandemia as autoridades sanitárias reajam de uma determinada forma, isolamento das pessoas doentes e das áreas contaminadas, afetação de espaços públicos para albergar os doentes, não deixa de surpreender que, quase passo a passo, a reação das pessoas seja também similar, mal grado a distância do tempo e do espaço. A Peste decorre em Orão, na Argélia, após a segunda guerra mundial.     "(...) Com efe...