As Telefones, Djaimilia Pereira de Almeida (Relógio d'Água)
A filha cresce sem saber exatamente – sem se recordar - como é a mãe, ignorando por isso como ela própria será. As transformações por que ambas passam, tornam-nas desconhecidas a cada reencontro. O reconhecimento ou a estranheza quando se encontram («Só te deixo entrar em minha casa porque o teu cheiro confirma a tua identidade») e até a cerimónia que fazem é o oposto da cumplicidade de quando falam ao telefone.
«Tornámo-nos uma surpresa. Teremos envelhecido de auscultador na mão, amadurecendo aos poucos, ou mantido ao longo dos anos um pacto entre energias falantes, a que não corresponde matéria alguma? Sustivemo-nos num bordado de novidades que nunca é o que queríamos ouvir e no fim foi quem nos tornámos. Fomos, sem o sabermos, amor sem alguém que ame: uma corda que ressoa com monotonia sobre a última ida às compras, o jantar de ontem ou o de há trinta anos, sempre o mesmo.»
E depois enquanto falam ao telefone ou
quando se encontram, entre conversas íntimas, intrometem-se acontecimentos que
vão marcando as épocas, como a morte de Arafat, o suplício de Kadafi, as
eleições americanas, a morte de Aretha Franklin e até um excerto do discurso de
Theresa May aquando do ataque terrorista em Londres, em 2017. Contudo, à distância ou quando se encontram, as conversas que mantêm, evidenciam a cumplicidade e a continuidade que existe entre mãe e filha. Entre mães e filhas.
Mas mais do que falar sobre As Telefones só posso sugerir que o leiam.
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