As Telefones, Djaimilia Pereira de Almeida (Relógio d'Água)

 

      As Telefones foi encantamento às primeiras palavras, como já tinha acontecido com o anterior livro da Djaimilia, Luanda, Lisboa, Paraíso, e se ambos partilham a geografia, as relações familiares e a escrita poética, são no resto distintos. As Telefones é a história de uma mãe e uma filha, Filomena e Solange, que vivem separadas, mas é também a despedida da mãe. A filha vive em Lisboa, primeiro com uma tia e depois sozinha, enquanto a mãe permanece em Angola. Falam por telefone, são elas próprias telefones («Os seus telefonemas não eram palavras, mas um sonho em andamento, cujo avesso era tudo que não contavam uma à outra...). São ambas narradoras, alternando-se, marcando pelo estilo de letra a autoria.

    A filha cresce sem saber exatamente – sem se recordar - como é a mãe, ignorando por isso como ela própria será. As transformações por que ambas passam, tornam-nas desconhecidas a cada reencontro. O reconhecimento ou a estranheza quando se encontram («Só te deixo entrar em minha casa porque o teu cheiro confirma a tua identidade») e até a cerimónia que fazem é o oposto da cumplicidade de quando falam ao telefone.

    «Tornámo-nos uma surpresa. Teremos envelhecido de auscultador na mão, amadurecendo aos poucos, ou mantido ao longo dos anos um pacto entre energias falantes, a que não corresponde matéria alguma? Sustivemo-nos num bordado de novidades que nunca é o que queríamos ouvir e no fim foi quem nos tornámos. Fomos, sem o sabermos, amor sem alguém que ame: uma corda que ressoa com monotonia sobre a última ida às compras, o jantar de ontem ou o de há trinta anos, sempre o mesmo.»

    E depois enquanto falam ao telefone ou quando se encontram, entre conversas íntimas, intrometem-se acontecimentos que vão marcando as épocas, como a morte de Arafat, o suplício de Kadafi, as eleições americanas, a morte de Aretha Franklin e até um excerto do discurso de Theresa May aquando do ataque terrorista em Londres, em 2017. Contudo, à distância ou quando se encontram, as conversas que mantêm, evidenciam a cumplicidade e a continuidade que existe entre mãe e filha. Entre mães e filhas.

    Mas mais do que falar sobre As Telefones só posso sugerir que o leiam.

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