A Cozinheira de Castamar, Fernando J. Múñez (Porto Editora)

A Cozinheira de Castamar

    Com os livros, como com outros objetos ou eventos, os principais divulgadores são os seus consumidores, no caso dos livros, os leitores. Mas, ao contrário de um filme ou de uma peça de teatro ou de um concerto, um livro pode ser oferecido ou emprestado. Partilhado. O entusiasmo de um leitor por um livro não arrefece sequer com o facto de a pessoa a quem emprestou ou ofereceu o livro, que anunciou e encheu de encómios, devolvê-lo dizendo que não o leu ou que leu e não gostou. Confesso que é muito dececionante quando isso acontece com um livro de que gostei muito e por isso tenho alguma dificuldade em ser absolutamente franca quando o inverso se passa comigo.
    E eis-me chegada a este romance, A Cozinheira de Castamar, de Fernando Múñez, que me foi oferecido por quem o tinha lido e apreciado. Na nota do Autor, que aparece no final do livro, este explica as razões  que o levaram a escrever o livro e a primeira foi o pedido que a mãe lhe foi fazendo ao longo de  anos: «Filho, escreve algo para mim.»        Como não conheço as outras obras deste autor, imagino que o desejo de corresponder a este pedido tenha condicionado a trama deste romance, tornando-o numa versão espanhola da Cinderela. Politicamente correta, onde não falta sequer um escravo preto, libertado pelo pai do marquês, a quem este trata como um irmão, nem sequer um sodomita. O que é um pouco desconcertante numa época em que ainda existia Inquisição em Espanha, que é apenas brevemente mencionada.
    A capa refere que foi adaptado à televisão e está disponível na Netflix e, num artigo que li, vi que tinham optado por alterar o fim, justamente para evitar o fim clássico dos filmes da Disney «casaram-se e foram felizes para sempre», o que aparentemente não foi do agrado do público.
    As partes mais interessantes de A Cozinheira de Castamar são a descrição da situação de Espanha na época, a relação existente entre a Coroa e os nobres, o ambiente de intriga, e, em Castamar, a hierarquia existente entre os criados. A parte mais curiosa são as refeições que Clara Belmonte, a Cozinheira de Castamar, prepara, e onde nos dividimos entre a estranheza e o deslumbramento:

    «Também fariam paralelamente uma segunda fornada de guisados gerais de ave, recheados com testículos em escabeche de azeite, fígados e pombo com anchovas e alcaparras. Mais tarde, devia preparar outro lote de grelhados de aves feitos lentamente, enquanto se untavam, aos poucos, com uma moagem de pão de trigo, toucinho de porco, gema de ovo e pimenta. Para as sobremesas, haviam sido contratados vários pasteleiros e um pasteleiro chefe, aos quais ordenou que preparassem folhados, tortas com cremes e crostas, tanto salgadas como doces, biscoitos recheados com creme e sem creme, de chocolate, bolos de leite, doce de ginja, doces de ovos, natillas, leite-creme e, por último, fruta em calda que utilizariam durante toda a festa.»

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