Os três crimes dos meus amigos, Georges Simenon (Relógio d' Água)
Não é habitual a aniversariante oferecer prendas - livros - a todas as convidadas, mas a Catarina é assim. Convida as amigas para jantar, sem lhes dizer que é para celebrar os anos - ainda bem que antes fui ver a minha agenda! - e antes de começarmos a comer, tira do saco vários livros que distribui. Mas não os distribui ao acaso, cada livro foi especialmente escolhido.
A mim calhou-me este livro do Georges Simenon: Os Três Crimes dos Meus Amigos. Apesar de saber que Simenon escreveu outros livros, ele era para mim o criador do Comissário Maigret, tal como Agatha Christie é a criadora de Poirot. Sei que ambos escreveram outros livros, mas identifico as suas obras com estas personagens. Li muitos livros destes autores durante a adolescência e vi centenas de adaptações ao cinema. Por isso, apesar de gostar de ler policiais, considerava que já tinha esgotado a leitura das obras destes dois autores.
Percebi, depois de ler Os Três Crimes dos Meus Amigos, que estou longe de conhecer a obra de Georges Simenon. Neste caso não se trata de saber quem matou ou quem foi morto ou ainda perceber como foi investigado o crime ou descoberto o assassino.
Ao longo deste romance, em que sabemos à partida quem mata quem, a questão é porque o fizeram e porquê eles e não ele mesmo, Simenon, que era amigo dos três:
«Eu não desconfiava de nada e os meus amigos eram assassinos! Nem desconfiava de nada uns anos depois quando comecei a escrever romances policiais, ou seja, relatos de falsos crimes, enquanto aqueles com quem eu tinha vivido outrora, que tinham respirado a mesma atmosfera do que eu, partilhado as mesmas alegrias, as mesmas distrações, discutido os mesmos assuntos, se punham a matar de verdade (...)
Não é estranho que, durante esse tempo, eu escrevesse romances policiais onde me esforçava por desenhar verdadeiros criminosos?
Talvez seja menos estranho do que parece, se olharmos mais de perto, se lermos com mais atenção, porque então vemos nos meus livros, intactos pela minha fraca imaginação, os cenários, as atmosferas, os estados de alma que levaram aqueles três...
Os três crimes dos meus amigos parecem-se a todos os crimes que eu contei, porém, porque são verdadeiros, porque eu conheço os seus autores, é-me impossível escrever:
- Ele matou porque....»
Não sabemos se se trata de um livro autobiográfico, embora ele, o narrador, se apresente como Simenon («Olha um tipo ainda mais estúpido do que Simenon, porque este nem pede dinheiro!», pg. 75) e descreva as condições de vida do período da sua juventude, profundamente marcada pela guerra:
«Era culpa de Dostoievski e de Verlaine? Não seria antes culpa daquela guerra (I Guerra Mundial) que, quando crianças, tínhamos vivido sem compreender e que nos tinha marcado sem sabermos?» (pg. 85)
É um relato inquietante porque a questão permanece sem resposta.
Li depois que este romance foi escrito em fascículos, e isso é muito visível na parte final de cada capítulo, que deixa em aberto questões e mesmo perguntas que só a continuação da leitura poderão resolver.
***
Comentários
Enviar um comentário