Vemo-nos em agosto, Gabriel García Marquez (D. Quixote)

    «Vemo-nos em agosto» é o último livro de Gabriel Garcia Marquez. A decisão de o publicar foi dos filhos. No prólogo referem que «a perda de memória de que o nosso pai padeceu nos seus últimos anos foi duríssima para todos nós.» E como ele próprio ter-lhes-á dito: «A memória é ao mesmo tempo a minha matéria-prima e a minha ferramenta. Sem ela, não há nada.» E quanto a este livro, terá dito que era preciso destruí-lo.

    Compreendo a dificuldade da decisão dos filhos – e também dos leitores a quem será irresistível o desejo de ler mais um livro de Gabriel Garcia Marques -, mas agora que acabei de o ler, não consigo deixar de pensar que está muito aquém da restante obra dele. A premissa de base é interessante: Ana Magdalena Bach, casada e com dois filhos, vai todos os anos, a 16 de agosto, à ilha, onde está enterrada a mãe, colocar gladíolos no seu túmulo. Nos primeiros anos, utiliza o mesmo táxi, fica no mesmo hotel e compra as flores à mesma florista.

    Mas a noite que permanece sozinha na ilha vai-se transformando num espaço de liberdade, que aproveita para seduzir e dormir com diferentes homens. Na visita que faz ao cemitério, enquanto dispõe as flores e limpa o túmulo, conta à mãe o que se passou no último ano. Tem um filho, primeiro violoncelo da Orquestra Sinfónica Nacional, e uma filha que quer professar na Ordem das Carmelitas Descalças.

    Ana Magdalena tem um bom relacionamento com o marido embora saiba que ele é namoradeiro, só que à medida que se envolve com outros homens começa a desconfiar do marido. Vai percebendo também que se sente cada vez mais estranha na sua família, mas, ao mesmo tempo, vai perdendo o entusiasmo com a ilha. No ano em que descobre que há um homem que visita o túmulo da mãe, com frequência, e deixa flores, percebe o que tinha levado a mãe a pedir para ser enterrada na ilha. Nessa altura decide exumar o corpo da mãe e levá-lo com ela.

    O livro é pequeno e lê-se muito rapidamente. Mas compreendo o que o autor disse quando pediu que o destruíssem: as personagens não têm densidade e a história é pouco consistente, embora haja pistas que o poderiam tornar interessante.

    Curiosamente li que era o único livro de Gabriel Garcia Marquez em que a protagonista era uma mulher. Não consegui deixar de fazer o paralelo com o último livro de Mario Vargas Llosa, Dedico-lhe o meu silêncio em que também a música ocupa um lugar muito especial. No caso de Vemo-nos em agosto, até o nome da protagonista, Ana Magdalena Bach, nome da segunda esposa de Johann Sebastian Bach, não pode ser uma coincidência.

    Encontrei palavras muito pouco comuns entre nós, como «livro intonso», «olhos de escarmento» e «esperando que escampasse», obrigando-me a procurar num dicionário. Palavras velhas, novas para mim.

    Aqui e ali há pequenas frases em que descobrimos o fulgor do autor, como esta que roubei:

    «O silêncio que ficou depois do grito permaneceu vitrificado por vários dias no ar da casa.» (pg. 40)

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