Os Mal-Amados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)
Cheguei ao fim desta tetralogia, com o
subtítulo "Uma história privada". A curiosidade de conhecer o destino
daquelas personagens, cujos antepassados e história conhecemos nos volumes
anteriores, suplantou a impaciência com que fui lendo as últimas páginas, em
particular alguns diálogos.
Se os anteriores volumes, em particular os dois primeiros, Os Pioneiros, Os Impetuosos, tinham a graça de entrecruzar a história pública e privada, sem suscitar outras reações que não fossem o interesse e a curiosidade, devido à distância temporal, enquanto lia o terceiro, Os Bem-Aventurados, fui sentindo que se tratava de uma leitura muito pessoal da autora, Maria Luísa Beltrão, que não se preocupou nunca em rodar a objetiva com que ia escrevendo, e ver as coisas com os olhos dos outros. Acresce que a proximidade com os factos aqui narrados impede também a isenção do leitor que os viveu. E este desconforto aumentou neste último volume, cujo título, Os Mal-Amados, já indiciava esta perspetiva monolítica da sociedade portuguesa nos primeiros anos depois do 25 de abril. Curiosamente, a família não foi molestada, nem foi sequer mal-amada em consequência da revolução, pelo que me surpreendi com o título que, ao contrário dos anteriores, não me pareceu adequado.
O propósito da autora, Luísa Beltrão, foi o de contar a história de uma família portuguesa, a partir do século XIX, e fá-lo com imensa desenvoltura, mas quando carrega para a história a vida política, social e económica do país, deveria ter tido um olhar mais abrangente ou pelo menos não tão conservador. Como escreveu Luíz Pacheco, depois de ler os dois primeiros volumes de que gostou:
Se os anteriores volumes, em particular os dois primeiros, Os Pioneiros, Os Impetuosos, tinham a graça de entrecruzar a história pública e privada, sem suscitar outras reações que não fossem o interesse e a curiosidade, devido à distância temporal, enquanto lia o terceiro, Os Bem-Aventurados, fui sentindo que se tratava de uma leitura muito pessoal da autora, Maria Luísa Beltrão, que não se preocupou nunca em rodar a objetiva com que ia escrevendo, e ver as coisas com os olhos dos outros. Acresce que a proximidade com os factos aqui narrados impede também a isenção do leitor que os viveu. E este desconforto aumentou neste último volume, cujo título, Os Mal-Amados, já indiciava esta perspetiva monolítica da sociedade portuguesa nos primeiros anos depois do 25 de abril. Curiosamente, a família não foi molestada, nem foi sequer mal-amada em consequência da revolução, pelo que me surpreendi com o título que, ao contrário dos anteriores, não me pareceu adequado.
O propósito da autora, Luísa Beltrão, foi o de contar a história de uma família portuguesa, a partir do século XIX, e fá-lo com imensa desenvoltura, mas quando carrega para a história a vida política, social e económica do país, deveria ter tido um olhar mais abrangente ou pelo menos não tão conservador. Como escreveu Luíz Pacheco, depois de ler os dois primeiros volumes de que gostou:
«(…) o fundo histórico é-nos transmitido com laivos
de evidente conservadorismo. E receio que à medida que esta crónica privada se
aproxima do nosso contemporâneo, tal tendência se não acentue. Prevejo isso
mesmo quase inevitável e não apenas nas recordações da macróbia Tia Graça que
saltou o choque das gerações, numa força feita de memórias e uma dignidade
fruto da resistência à morte. Ser também assim, quem dera!»
Esta perspetiva conservadora sobre os momentos vividos e as personagens que na vida política tinham peso e notoriedade, segue em paralelo com a apreensão que a geração mais velha sente com a perda de valores e da capacidade de traçar ou guiar os destinos dos filhos, terminando por acontecer na geração mais jovem uma morte por overdose e uma tentativa de suicídio e, na geração precedente, alguns afastamentos familiares e divórcios. Curiosamente, um neto, que cresceu afastado da família e cuja mãe se divorcia e casa pela segunda vez, aproxima-se depois da família e é um jovem exemplar, levando a avó a questionar as suas convicções. Nas gerações anteriores já tinha havido algumas personagens, sobretudo masculinas, falhadas, vivendo isoladas, sem trabalhar, mas estas vivências eram feitas na intimidade das famílias e das casas, não gerando qualquer sobressalto ou inquietação de maior.
N’ Os Mal-Amados assistimos à entrada das mulheres da família no mercado de trabalho, por necessidade ou vontade apenas, e já não apenas em situações excecionais como acontecera nas gerações precedentes, e às consequências desse facto, como a liberdade e independência que passam a usufruir, alterando em muitos casos a relação com o marido e com os filhos.
Apesar da perspetiva conservadora, é uma história familiar que nos faz percorrer os dois últimos séculos portugueses, com alguma leveza e em que aqui e ali, nos vamos lembrando de partes da nossa história ou, mais recentemente, de certas vivências, e até de personagens que nos aparecem perfeitamente delineadas.
Os Mal-Amados acaba de forma curiosa. Não terá sido fácil pôr um ponto final na história e por isso, por ocasião da celebração dos 100 ano da Tia Elisinha, todos os familiares desaparecem e explicam-lhe que nunca existiram porque eram personagens de romance e que ela é a Tia Graça. O epilogo é dedicado à Tia Graça que morreu um ano depois e que ainda teve tempo de escrever uma carta a Luíz Pacheco comprovando a sua existência porque ele – na crónica acima referida -, a tinha apelidado de macróbia.
***
Comentários
Enviar um comentário