A Soma dos Dias, Isabel Allende (Difel)

Isabel Allende
    Comecei a ler este livro antes do início das minhas férias, mas esqueci-me de o levar quando fui passar uns dias fora. Deu-me prazer reencontrá-lo, ainda com a página marcada onde tinha interrompido a leitura.
    A escrita mais recente da Isabel Allende está muito longe dos livros inicias, eivados do designado realismo mágico que tanto me deslumbraram. Este é um livro autobiográfico, iniciado pouco depois da morte da sua filha Paula.
   Conforme refere, manteve ao longo dos anos uma relação epistolar com a mãe que lhe permitiu conservar fresca a memória, contudo, é à filha Paula que escreve, como se falasse com ela, informando-a sobre o que aconteceu após a sua morte [«No dia 6 de dezembro cumpriu-se o primeiro aniversário da tua morte. Queria recordar-te bela, simples, contente, vestida de noiva ou a saltar à chuva em Toledo, com um guarda-chuva preto, mas de noite, nos meus pesadelos, assaltam-me as imagens mais trágicas: a tua cama de hospital, o ruído da máquina de respirar, a tua cadeira de rodas, o lenço com que depois cobríamos o buraco da traqueotomia, as tuas mãos crispadas. Pedi muitas vezes para morrer antes de ti, e mais tarde, quando isso deixou de ser possível, pedi tanto para morrer que devo ter adoecido seriamente. Mas morrer é muito difícil ...(pg. 79)  Aqui, neste mundo que deixaste para trás, Deus foi sequestrado pelos homens.» (pg. 279)] .
    A Soma dos Dias é o que o título nos anuncia, uma descrição dos dias que vão passando, na Califórnia, onde reside, com o marido com quem está casada há alguns anos, Willie, e com aqueles que constituem a sua tribo: o filho, Nico, a mulher e os netos, Ernesto, o viúvo da Paula, os enteados e alguns amigos. Os desgostos, as dificuldades porque vão passando, a forma como as vão ultrapassando e se recompondo e mantendo unidos, são-nos contados de uma forma muito simples e permitem-nos amenizar e relativizar um pouco as nossas vidas e experiências.
    Curioso como este e outros livros nasceram. No caso d’A Soma dos Dias conta-nos, logo a abrir, que recebeu um telefonema da agente que lhe sugeriu que escrevesse as suas memórias recentes. Quando lhe responde que a família não gosta de se ver exposta, a agente, Carmen Balcells, responde-lhe:

    «- Não te preocupes com isso. Manda-me uma carta de uma duzentas ou trezentas páginas, que eu encarrego-me do resto. Se for preciso escolher entre contar uma história e ofender os parentes, qualquer escritor profissional escolhe a história.»

    Na realidade, Isabel Allende não ofende os parentes, mas conta várias histórias passadas com eles, do foro da sua vida íntima ou reservada, que admito não tenha sido fácil nem para ela, nem para eles.

    Outro livro dela, o Zorro, nasceu da proposta que lhe foi feita pelos detentores dos direitos mundiais sobre esta figura, que lhe pediram que escrevesse uma obra literária sobre o Zorro. Como conta, primeiro disse que não escrevia por encomenda, mas depois resolveu aceitar (a decisão foi tomada atirando uma moeda ao ar).
    A Soma dos Dia está cheio de pequenas histórias, de muitas alegrias e profundas tristezas:

    «Tivemos muitas vezes de ajeitar a carga para seguirmos em frente sem cair. Havia muita desordem, tínhamos a sensação de estar sempre no meio de uma tormenta, reforçando portas e janelas para que o vento da desgraça não arrasasse tudo». (pg. 83)

    Diferentes, mas iguais à soma dos dias de muita gente. Mas a similitude não retira interesse à leitura, bem pelo contrário, acrescenta.

***

Quero ler este livro!

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