O Amor e a Guerra Colonial, Armando França (Edições Colibri)

  

    Celebro o meu aniversário entre o Natal e a Passagem do ano, ou seja, junto numa semana as oportunidades de comemorar a passagem do tempo  e, porque não dizê-lo, receber prendas. Justamente nessa semana, num dia não comemorativo, o João surpreendeu-me com este livro, O Amor e a Guerra Colonial, sabendo como me interesso por esta temática. Como é referido na contracapa, entre outubro de 1972 e o regresso da guerra colonial em Angola, em março de 1975, o Autor, Armando França, mantém uma comunicação epistolográfica regular e quase diária, por carta e aerograma, com Celina, com quem se casará pouco antes do final da comissão.   Através dessa correspondência é-nos dado um retrato pessoal, mas também militar e político, de Portugal, durante esse período.

    Pela edição cada vez mais frequente de livros sobre a guerra colonial, sente-se a necessidade de quem nela participou, contar a  sua experiência, dar ou deixar o seu testemunho, apesar da citação de Margaret Atwood inscrita na Parte I deste livro:

    "Quem sobrevive (à guerra) pode nunca mais querer falar, ou se o fizer será à custa de um esforço imenso."

    Talvez isto explique a decisão do Autor, Armando França, de publicar as cartas e aerogramas só agora, 50 anos volvidos sobre o seu envio. Como seria de esperar, parte significativa da correspondência é de teor pessoal, mas mesmo nesta correspondência é possível sentir as dificuldades que os dois sentem, para além do medo e da separação impostos pela guerra. 

    Diversamente da correspondência (4 400 cartas e aerogramas) tratada em Sinais de Vida, cartas da guerra 1961-1974, de Joana Pontes, que evidencia através da sua apresentação e leitura cronológicas que, depois de um apoio inicial, se passou para o descrédito e rejeição da guerra, a posição do Autor é desde o início de descrédito, e, apesar da falta de informação, diz logo na introdução que tinha conhecimento das posições políticas internacionais contra a guerra, dos elevados gastos orçamentais da guerra e do elevado número de militares portugueses mortos e feridos na guerra. Apesar disso e depois de ter ponderado desertar, decide aguardar pela incorporação, o que acontece em 1972.

    A comissão é quase dividida ao meio pelo 25 de abril de 1974 e o mais curioso é acompanhar, através da leitura da correspondência, a indefinição quanto às colónias. O que à distância do tempo nos parece quase coincidir, a revolução e a independência das colónias, terá parecido uma eternidade a quem lá estava, ainda sujeito a emboscadas e combates. Como refere Armando França, na sequência de uma carta enviada de Belize no final de junho de 1974:

    "Deste modo, nós, militares no Maiombe, continuávamos a sentir na pele a dureza da guerra como se o 25 de abril não tivesse existido e, pior, como se o fim da guerra colonial não estivesse no centro do programa das Forças Armadas. (...) Ali, já ninguém entendia a razão da inexistência de um cessar fogo e da continuação da guerra."

    Um testemunho sempre importante para evitar o esquecimento, porque contar uma guerra pela voz e palavras de quem nelas participou é a melhor forma de defender a paz.

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